13 janeiro 2009

UMA OUTRA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Ai que prazer ter um livro para ler… que nos faz aprender.
The White War (Life and Death on the Italian Front 1915-1919) de Mark Thompson é um livro de aparência despretensiosa a respeito do envolvimento italiano da Primeira Guerra Mundial. Aparentemente, o livro devia tratar da frente no Nordeste de Itália onde se enfrentavam italianos e austro-húngaros, mas o autor acaba por assumir a narrativa na perspectiva dos primeiros. Já tinha lido algumas coisas sobre a participação italiana no conflito, mas o que tinha lido era essencialmente o mesmo, embora redigido de forma diferente. Desta vez, não foi o caso…

No livro, está muito bem feita e sustentada a descrição da forma como a Itália se veio a envolver na Guerra, sobretudo a da manobra política engendrada por uma vanguarda esclarecida mas claramente minoritária que impôs a declaração de guerra a um país que fora formalmente aliado dos alemães e austro-húngaros até 1914 mas que então se mostrava predisposto à neutralidade, por não sentir que sobre ele incidissem verdadeiras ameaças. A mobilização italiana foi assim muito parecida com a falta de entusiasmo da portuguesa em 1917… ou melhor, vice-versa.
É comum que os estudos relativos à participação portuguesa em 1917-18 tomem como referência o comportamento e desempenho das nossas unidades na frente de batalha com as dos nossos aliados próximos, normalmente os britânicos. E o resultado da comparação que é feita nesses estudos acaba por nunca nos ser simpática… Mas, se tomarmos a referência da frente italiana, apesar de muito mais complexa que a da Flandres (estendia-se desde as costas do Adriático até aos picos gelados dos Alpes), e a das tropas que a guarneciam, talvez essa opinião se modifique…

O impasse táctico imposto nas frentes da Primeira Guerra Mundial tanto era comum aos britânicos, tão pretensiosos no seu rigor marcial, como aos atabalhoados italianos, eternos improvisadores, que entre 1915 e 1917 lançaram 11 (!) ofensivas ao longo do vale do Rio Isonzo para realizarem um ganho territorial representado pela área escura do lado direito do mapa acima... Antecipando o que viria a acontecer depois em Março/Abril de 1918 em França, em Outubro/Novembro de 1917, alemães e austro-húngaros lançaram um ataque vitorioso em Caporetto, que empurrou a frente até à linha tracejada…
Em qualquer das frentes, apesar de impressionantes, esses avanços alemães de 1917/18 não passaram de vitórias tácticas. Mas só na frente italiana é que se passavam cenas como a que a seguir se descreve: Arturo Toscanini (acima), já então um famoso maestro, de visita à frente, propôs-se (e autorizaram-no) dirigir uma banda militar no topo de um objectivo que fora recém-conquistado (o Monte Santo). Pelo feito, Arturo Toscanini veio a ser condecorado com a Medalha de Prata de Valor Militar, cerimónia onde o maestro emocionado não conseguiu parar de chorar…

Regressando à grande História do conflito, o resto dela é relativamente conhecido: a partir de Outubro de 1918 o aparelho militar dos dois Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) começou a desmoronar-se, começando precisamente pelo austro-húngaro que se opunha directamente aos italianos. Aproveitando a fragilidade, a Itália desencadeou uma contra ofensiva em Outubro/Novembro de 1918 (Vittorio Veneto) que lhe permitiu recuperar praticamente todo o território que perdera no ano anterior e chegar às negociações de cabeça erguida.
Daquilo que originalmente em 1915 as vanguardas belicistas haviam pedido como compensações territoriais para a sua intervenção, à Itália foram-lhe concedidas as regiões assinaladas num azul mais claro no mapa acima onde, apesar de serem povoadas por populações de expressão italiana, também havia minorias significativas de populações de expressão alemã (no Tirol do Sul) ou maiorias de expressão eslovena (na Ístria).No cômputo global contavam-se 533.000 mortos e uma infindável discussão se aqueles ganhos haviam valido a pena…

Mas o que The White War contém de mais notável é uma descrição de uma guerra feita por pessoas normais, normalmente infelizes, mas desejosas de não fazer má figura, em que há outras verdadeiramente ridículas (o Rei Vítor Manuel III – abaixo – era embaraçosamente minorca…) mais os seus acessos histriónicos tradicionais da cultura italiana, mas onde o discurso dominante, excluídas as altas patentes militares, os ideólogos e os panegiristas, podia ser o das imorredouras palavras criadas por Fausto para a música Olha o Fado do Por este Rio acima:
Somos capitães
Somos Albuquerques
Nós somos leões
Dos lobos dos mares
E na verdade o que vos dói
É que não queremos ser heróis.

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