
A coisa anunciava-se de
arromba. Mas, melhor que as minhas explicações, deixo-as para a imprensa da época (Dezembro de 1973), citando-a:
Pouco depois do Natal e até Janeiro de 1974, os céus dar-nos-ão um espectáculo de beleza surpreendente – um cometa, ou melhor, um senhor cometa! Chama-se Cometa Kohoutek (pronuncia-se Caútec) em homenagem a quem o descobriu, Lubos Kohoutek, astrónomo do Observatório Hamburgo, em Bergedorf, Alemanha Ocidental, promete ser o mais extraordinário corpo celeste jamais observado pela humanidade. O seu brilho poderá alcançar cerca de um quinto da intensidade luminosa da lua cheia, sendo portanto mais brilhante que o famoso Cometa de Halley, que tornou a aparecer em 1910, e a sua longa cauda deverá estender-se por cerca de um sexto do nosso horizonte celeste. Seu núcleo brilhante terá uns 16 mil quilómetros de diâmetro, e sua cauda vaporosa arrastar-se-á por milhões de quilómetros. Arrebatadoramente núbil esta última passagem, não é verdade?

Este é apenas o princípio da notícia que as
Selecções do Reader’s Digest dedicavam ao assunto nessa sua edição de Dezembro de 1973, que prossegue no mesmo espírito entusiasmado. Até se lhe perdoa a omissão, bem na lógica da revista e da
Guerra Fria, ao facto do descobridor e padrinho do cometa,
Lubos Kohoutek, apesar de trabalhar na Alemanha Ocidental como se diz, ser checoslovaco… Mas é apenas no parágrafo seguinte que o jornalista utiliza o cognome que a comunicação social já então havia consagrado para o fenómeno: o
Cometa do Século! E esta nem sequer era a publicação mais entusiasmada: lembro-me até de uma revista, daquelas que privilegiava a fotografia, no estilo da
Paris-Match francesa ou da
Manchete brasileira, fazer uma montagem com uma antecipação de como seria a paisagem das noites das grandes capitais do Mundo sob
a fluorescência do Kohoutek… Como o fim da citação acima com a sua referência à
cauda vaporosa (de noiva?), tudo aquilo parecia mais um daqueles
acontecimentos jornalísticos do Século…

O aborrecido é que os jornalistas não se conseguem aperceber que os fenómenos científicos podem não se dispor
a colaborar com os seus cabeçalhos... Não se pode prognosticar que um cometa será
do Século daquela mesma maneira segura que (mais) um
casamento real o será – do Século e sempre do
mesmo Século… Em termos científicos simples, pôs-se
a hipótese que o
Kohoutek fosse um cometa jovem originário da
Nuvem de Oort, o que o tornaria muito mais brilhante que os outros. Porém, quando a notícia da descoberta chegou ao conhecimento público os jornalistas já haviam transformado essa hipótese numa
certeza… Dois meses antes, em Outubro de 1973,
já os cientistas sabiam que a hipótese não se confirmava, mas aí já o
delírio começara: era livros explicativos, selos comemorativos… Por alturas do Natal veio a constatação (abaixo): tratava-se de um fenómeno interessante mas muito pífio, consideradas as expectativas criadas. Esquecido na actualidade, apetece dizer do episódio que, de
fama secular só mesmo a de
Fiasco Sideral do Século.
Clicar em cima da fotografia para a ampliar. Ela data de 6 de Janeiro de 1974 quando o cometa estava mais visível, depois do periélio a 28 de Dezembro de 1973, e inclui como referências Júpiter e Vénus, astros fáceis de identificar por quem costuma observar o céu.