07 dezembro 2007

AFEGANISTÃO: A GUERRA DAS VBTP (3)

Passado todos estes anos sobre o fim do conflito, o que mais impressiona nos relatórios do Estado-Maior soviéticos é o que lá não está. Na discrição da orgânica dos órgãos de comando do 40º Exército Soviético (era essa a designação do contingente soviético no Afeganistão), não se incluem quaisquer estruturas que representem um equivalente às que estavam encarregues da acção psicossocial junto das populações, tal qual foram adoptadas inicialmente pelos franceses na Argélia e mais tarde pelos portugueses em Angola, na Guiné e em Moçambique.
No Vietname, uma boa parte dessas funções da condução sociopolítica do conflito ao nível local pertencera à CIA e muitas acusações se fizeram depois de 1975, por causa das enormes faltas de coordenação entre as acções dos braços militar e civil dos norte-americanos. No Afeganistão, por incrível que pareça, a descoordenação parece ter sido ainda pior, porque o que de mais parecido que existiria que lidasse com a vertente política da guerra contra-subversiva estava nas mãos das autoridades locais da República Democrática do Afeganistão, assessoradas por conselheiros soviéticos.

Para piorar as coisas, o entendimento da natureza do conflito não se enquadrava com a matriz marxista-leninista omnipresente nas análises sociológicas. A contribuição teórica para que os soviéticos percebessem o seu inimigo, por exemplo, revelava-se numa não contribuição, ao procurar estruturar e racionalizar uma complexa estrutura de tribos onde as alianças e os centros de decisão eram, por tradição, extremamente fluidos, formados por camponeses (85% da população) que, segunda a doutrina canónica, nem teriam razões para se revoltarem contra um estado onde já estavam no poder…
Quanto à sua faceta táctica, muitas das práticas dos guerrilheiros mujahedin não haviam mudado apreciavelmente desde há 100 anos atrás. Curiosamente, tivessem os soviéticos estado interessados, haveria muito boa bibliografia de origem britânica sobre contra-medidas por eles desenvolvidas em acções militares tanto no Afeganistão como no Paquistão adjacente, que na época fizera parte do seu Império das Índias. Muitas dessas contra-medidas ainda eram aplicáveis (a aviação fora ali introduzida depois da Primeira Guerra Mundial), apenas o alcance e poder do armamento mudara.

Já aqui se aflorou a questão quanto o equipamento, a organização, a doutrina, enfim, quase tudo no exército soviético não estava adaptado para a missão no Afeganistão. Um exemplo que se escolhe para não tornar o texto demasiado fastidioso, é o das unidades de reconhecimento que, originalmente, constituíam cerca de 5% dos efectivos das unidades empenhadas. Evidentemente que, na Europa, não se contava que as unidades da NATO se andassem a esconder como os mujahedin… Com o evoluir do conflito, o seu peso foi crescendo, e por fim, elas já perfaziam cerca de 20% do total.
O reconhecimento, contudo, não substitui os resultados da infiltração na obtenção de informações sobre a localização e intenções do inimigo, muito especialmente quando a organização desse inimigo é extremamente fluida, como descobriram já há bastantes anos os israelitas que se defrontam com inimigos com características semelhantes. E nesse aspecto particular, o desempenho dos soviéticos acabou por revelar-se mediano: não foram apanhados completamente desprevenidos como os norte-americanos na ofensiva do Tet, mas também não conseguiram aliciar facções inimigas, como aconteceu com os portugueses e a UNITA em Angola.

Retornando ao começo, o dos símbolos desta guerra, há alguns que vieram a tornar-se símbolos por questões de propaganda, nomeadamente os mísseis terra-ar Stinger de origem norte-americana que permitiram aos mujahedin abater os aviões e helicópteros soviéticos, decidindo a guerra. Na realidade, os mujahedin começaram a abater aeronaves soviéticas muito antes da aparição dos Stingers. Mais, as estatísticas soviéticas sobre os aparelhos perdidos não mostra um aumento significativo depois do início do fornecimento do míssil aos guerrilheiros afegãos.
Contudo, o efeito psicológico foi tão importante como aquele que atingiu a FAP portuguesa em 1973 quando os seus aviões começaram a ser atingidos pelos SA-7 do PAIGC, ao obrigar os soviéticos a rever as tácticas de voo dos seus helicópteros e dos seus aviões de ataque ao solo SU-25. Ambos os mísseis atingiram forças armadas desmoralizadas, derrubando-as; fosse outra a força anímica e tratar-se-ia de mais um pormenor técnico na guerra, como o foram as V-1 e as V-2 no final da Segunda Guerra Mundial. Mas esta foi mesmo uma guerra das VBTP e é justo que sejam elas que figuram nas fotografias da retirada soviética.

Fica por ver como retirarão quem lhes sucedeu naquelas paragens…

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