10 dezembro 2007

O PEIXE

O Peixe foi um colega meu. Embora haja facetas naquilo que vou dizer que mostram que a minha opinião a respeito das suas capacidades intelectuais não era particularmente elevada, esse facto não interfere com a minha estima pessoal por ele. Para mais, o seu anonimato está quase que assegurado: provavelmente não terá havido muito mais de duas centenas de pessoas a conhecer o Peixe por Peixe e foi há muito tempo – seria uma coincidência enorme que se viesse a encontrar alguma neste blogue.

O que interessa para esta história é que o Peixe era, reconhecidamente, uma pessoa não muito arguta… Metódica, sim, arguta, não. E gostava imenso de futebol, sendo um benfiquista indefectível. Ora, há que remeter esta história para o seu devido período, na segunda metade dos anos 70 onde, entre a imprensa dita desportiva*, se destacava o jornal A Bola, então ainda trissemanário (Segundas, Quintas e Sábados), em concorrência com o Record e o Mundo Desportivo.

Ess´A Bola dessa época, já então muito simpática para o Benfica, iniciava então um percurso de crónicas sobre os jogos cada vez mais científicas, que iria descambar na erudição digna de tese de mestrado dos tempos modernos. Para dar apenas um exemplo, o Dr. Rui Santos era mais novo, ainda não era Dr., já tinha aqueles caracóis, mas tratava exclusivamente do futebol júnior (a que os veteranos do jornal não ligavam nenhuma) e, sobretudo, na televisão não passava Rui Santos a dizer-nos o que havíamos de pensar...

Mas regressemos à verdadeira personagem desta história que é o Peixe, que até agradecia que lho dissessem... Todas as Segundas-Feiras imediatamente antes da hora de almoço, metódica e aplicadamente ele lia em A Bola a crónica sobre o jogo do Benfica que se disputara no Domingo anterior, para depois a vir apresentar como opinião sua à mesa do almoço, quando o assunto descambava (como acontecia frequentemente) para o futebol e a última jornada. Foi expediente que impressionou, enquanto não foi descoberto.

Rapidamente, a fonte que dava aquela argúcia que considerávamos anormal no Peixe foi descoberta. A surpresa veio depois porque, mesmo depois de confrontado com o expediente, o Peixe continuou indiferente com o mesmo programa. Houve que reconhecer que, afinal, ele não fazia aquilo como expediente para impressionar os colegas de mesa, mas era a sua genuína maneira de ser: fazer sua, formatada (ainda não havia essa palavra…), a opinião que acabara de ler na crónica de A Bola.

Lembro-me que houve quem aproveitasse o lado bom da coisa: o Peixe passou a ser encarado como a versão declamada das crónicas dos jogos do Benfica em A Bola, óptimas para aqueles benfiquistas que fossem mais preguiçosos na leitura… Maldades de adolescentes a que se junta aquele humor um pouco cáustico, típico do Colégio Militar… Mas, tendo explicado a história do Peixe, ainda não tive oportunidade de explicar porque me ocorreu esta história do Peixe

Foi muito do trabalho de jornalismo que se tem presenciado à volta desta Cimeira que acabou de se realizar em Lisboa… Se não surpreende que as informações oficiais sejam de uma parcialidade idêntica à forma como os cronistas de A Bola analisavam os jogos do Benfica, já não acontece o mesmo com a patente falta de espírito crítico e profundidade de análise com que, na generalidade, a cobertura da Cimeira se realizou. Afinal o Peixe era um puto reconhecidamente pouco arguto, não um profissional de informação…
* Só será desportiva se futebol for equivalente a desporto. O tratamento dado por esses jornais às outras modalidades desportivas não costuma ser mais aprofundado do que o que faz um qualquer jornal generalista.

Aditamento: Descontando o despeito de descobrir que, afinal, a ausência de Gordon Brown não ter sido assim tão importante, este sumário de Mark Doyle, jornalista da BBC, parece-me reduzir o evento às suas devidas proporções. Só é pena que, na parte final (intitulada Grand Language), apesar de já saberem o que é um arguido, os ingleses ainda não saberem quem é Ricardo Araújo Pereira

8 comentários:

  1. Meu Caro,
    Não sou um consumidor de jornais desportivos (nem dos outros), mas reconheço que A Bola é, por assim dizer, o jornal oficioso do SLB.
    Importa todavia sublinhar que também foi um jornal que "ensinou muita gente a ler" e teve colaboradores de elevada craveira intelectual.
    Os outros jornais desportivos que são dados à estampa em Portugal não ultrapassam o estatuto de pasquins, facto que, obviamente, nada tem a ver com os dois clubes que representam, com igual parcialidade, mas muito menos classe.
    Aliás, num país como o nosso, a existência de três jornais diários desportivos faz pensar...

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  2. Também faz muito tempo que não compro um "jornal da bola". E tenho com o fenómeno uma relação desprendida e suponho que atípica: imagine que nem tenho clube... e não acredito (e acho que é "pose") naqueles que se mostram racionais em todos os outros assuntos e na "bola" são impermeavéis à razão - o estilo Sousa Tavares...

    Mas o herói do poste é o "Peixe" e não me pronuncio sobre os cronistas da Bola, apenas sobre o "Peixe" e sobre todos aqueles que formam e procuram formar opinião do mesmo modo.

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  3. Logo "Peixe"!
    O tal que "morre pela boca", quando há "cardumes" de jornalistas que nem abrir a boca podem, ou correm o risco de não escreverem nem mais uma linha.
    A liberdade da Imprensa esteve sempre condicionada pelos Poderes, sejam eles políticos ou económicos!
    "Mudo como um peixe" ou "His Master Voice" - é só escolher!

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  4. Quando se fala da "A Bóblia" costumo tirar o chapéu!
    Talvez porque, por influência de um tio, também aprendi a ler - quando nem sequer tinha idade para entrar na escola - por ela...
    Nos anos 90 tive a sorte de colaborar na Redacção, durante 7 anos, como "gozador de serviço".
    Foi uma experiência única para alguém que tinha, desde muito novo, um carinho especial pelo jornal.
    Só lamento que, nessa década, o meu tio já não pudesse acompanhar o sobrinho...

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  5. Tio e sobrinho também foram Vítor e Rui Santos, tendo este sido obrigado a sair por se recusar a só dizer coisas bonitas do Benfica.
    A Bola teve grandes jornalistas, de entre os quais destaco Carlos Pinhão, pela escrita admirável, elegante, bem-humorada, e por ser um homem de grande classe e enorme generosidade.

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  6. Lembro-me do Peixe e do Figo como as duas grandes esperanças do Sporting.
    Quanto à Cimeira foi junto ao Oceanário, provavelmente alguma coisa
    terá a ver.

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  7. Não sabes tu que o Rui Santos frequentou o mesmo estabelecimento de ensino que o Peixe, ao mesmo tempo...

    Um grande abraço,

    MFA

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  8. Este texto tem mais de 10 anos, mas as estas historias nao tem prazo

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