16 dezembro 2007

ATÉ À BATALHA DO CUITO CUANAVALE – 1

Se, retrospectivamente, há que apontar uma data para o nadir das expectativas do Bloco Ocidental em terminar a Guerra–Fria de forma vitoriosa, o ano será o de 1975. Em Abril desse ano, dá-se a queda do Cambodja e do Vietname do Sul e começa a guerra civil no Líbano e a de Angola toma uma dimensão irreversível, em Junho é Moçambique que alcança a independência, alinhando-se no Bloco Socialista, em Agosto é a vez da guerra civil em Timor-Leste, em Novembro é o mês da independência de Angola, imersa na guerra civil, e da invasão do Sahara espanhol por Marrocos (abaixo), finalmente, em Dezembro, os comunistas assumem o poder no Laos e a Indonésia invade Timor-Leste.
A imagem de fraqueza transmitida pelos Estados Unidos era tal que, regionalmente, mesmo os seus aliados tomaram os assuntos entre mãos. Foi o que fez Marrocos, aproveitando as fraquezas espanholas da transição e invadindo o Sahara espanhol, a Indonésia, invadindo Timor-Leste, ou a África do Sul, invadindo Angola e envolvendo-se directamente na guerra civil que ali se travava. Paradoxalmente, foi devido à fragilização das posições do Bloco Ocidental na África austral, causadas pela saída dos portugueses que serviços de informação ocidentais (no caso, o BOSS sul-africano) investiram pela primeira vez, a sério, na promoção de movimentos guerrilheiros destinados à guerra subversiva…
Os alvos eram, evidentemente, as duas posições (Angola e Moçambique) recentemente perdidas para o Bloco rival, cuja perda, para mais, fragilizara muito a posição do único país abertamente aliado dos sul-africanos, a Rodésia, também ela a braços com uma guerra subversiva, promovida por dois movimentos rivais: a ZANU e a ZAPU. Se em Angola, foi possível aos sul-africanos recuperar um dos movimentos guerrilheiros já existente do período colonial da luta contra os portugueses (a UNITA), no caso de Moçambique, houve que edificar uma organização quase de raiz, que havia até sido criada originalmente pelos rodesianos (a RENAMO) para esse mesmo fim.
Nos finais da década de 70, independentemente de qual fosse o alinhamento desses movimentos guerrilheiros (em Angola e Moçambique, pró Ocidentais, na Rodésia, pró Socialista), eles estavam a levar a melhor nas respectivas guerras subversivas. Através do BOSS, só então a CIA se pôde aperceber dos enormes efeitos de desestabilização que podiam ser conseguidos, versus os poucos recursos investidos, que se podiam obter do patrocínio de uma guerra de guerrilha. E essa foi uma lição que os norte-americanos depois puseram em prática em locais como o Afeganistão ou a Nicarágua. Na África austral, por volta de 1980, os três países acima mencionados estavam de rastos.
A Rodésia governada pelo regime de minoria branca, que proclamara uma declaração unilateral de independência em 1965, foi o primeiro a desistir. O país regressou, por pouco tempo e apenas formalmente, à condição de colónia britânica. Em Abril de 1980 o país tornou-se independente com o nome de Zimbabué, após um processo eleitoral supervisionado que deu a vitória à ZANU, dirigida pelo hoje famoso Robert Mugabe que, depois daquelas eleições, nunca mais deixou de dirigir o país. O segundo país a desistir foi Moçambique, em Março de 1984, com a assinatura dos Acordos de Nkomati com a África do Sul. Só que, neste caso, não houve lugar a quaisquer alterações políticas de regime.
É que o apoio sul-africano às guerrilhas nas duas antigas colónias portuguesas sempre foi descaradamente instrumental, e os movimentos que patrocinava nunca mostraram ter grande consistência ideológica ou objectivos políticos afirmativos. Mas, em Angola, onde o governo central que prevaleceu (MPLA, pró Bloco socialista) recebeu desde o princípio o apoio de um corpo expedicionário cubano e onde a guerra perdurou por mais tempo, a questão ideológica pôde ser usada com uma importância muito superior à dos outros dois países vizinhos, devido precisamente à presença do referido contingente cubano na África austral.

(continua)

Acrónimos:
BOSSBureau Of State Security
CIACentral Intelligence Agency
MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola
RENAMO – REsistência NAcional MOçambicana
UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola
ZANUZimbabwe African National Union
ZAPU Zimbabwe African People's Union

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