19 dezembro 2007

ÁFRICA DO SUL – d.M.

Depois de Mandela e Mbeki, cada vez mais virá à superfície o paradoxo de que, a África do Sul, apesar de ser considerado o país mais desenvolvido de todo o continente, possui uma sociedade que se pode descrever como uma organização tribal clássica, onde existe uma confederação de grandes tribos… Como reflexo exemplar disso, o hino nacional sul-africano adoptado depois de 1994 é uma justaposição de melodias distintas e a letra para ele escolhida é para cantar em cinco línguas diferentes: xhosa, zulu, sesotho, africânder e inglês…
O modelo tribal também serve para explicar a lógica do regime do apartheid, onde havia uma tribo branca de língua africânder que, à boa maneira africana, como muitos exemplos do passado da História de África*, subjugava todas as restantes tribos vizinhas – não só as negras, porque há também os mestiços de língua africânder, os indianos ou a outra tribo branca, a dos anglófonos, que apesar de disporem de todos os direitos cívicos, por ser uma tribo minoritária, não tinha condições de derrubar a ordem vigente em eleições democráticas…
Depois do fim do apartheid, foi a organização que a ele mais se opôs, o ANC (African National Congress), que capitalizou esse prestígio, captando a esmagadora maioria do voto dos negros e alcançando, sob a liderança de Nelson Mandela e Thabo Mbeki e em eleições consecutivas, resultados de cerca de 70% dos votos em eleições livres… Ora, descontando as eleições para Governador de Aécio Neves (…) e as reeleições para Presidente da Republica de Mário Soares (…), obter 70% dos votos pode ser considerado uma anomalia em verdadeiras democracias…
Fora do grande núcleo abrangente do ANC e com bases de implantação regional ficaram apenas dois partidos políticos sul-africanos: a Aliança Democrática, com um pouco mais de 12% dos votos, forte entre a população mestiça predominante na província do Cabo Ocidental, a Sul, e o Inkhata, com 7% dos votos, mas concentrados entre os zulus da província do Kwazulu-Natal, a Leste, nas costas do Índico. Como se percebe, durante estes anos, a verdadeira disputa política travou-se dentro dos órgãos internos do ANC.
A recente eleição de Jacob Zuma para dirigir o ANC, apesar da forte campanha de imprensa que sobre ele incidiu e o descredibilizou, parece indicar que aquela época em que o comentário político sobre a situação sul-africana era – consequência do apartheid – feita literalmente a preto e branco, parece ter acabado. Se Mbeki e Mandela, antes dele, são xhosas, o recém-eleito Zuma é zulu, que deverá ser o maior grupo étnico do país**, factor importante para mais quando a influência sobre esse grupo é fortemente disputada entre o ANC e o Inkhata.
Num país que tem 11 línguas oficiais**, este poderá ser o prenúncio de uma nova fase da vida política sul-africana, em que a verdadeira disputa do poder pode sair de um delicado processo interno de negociações dentro do ANC, este deixe de ser hegemónico e a luta política se torne mais aberta, disputada através do voto em coligações amplas, mas flutuantes, que resultem da alianças das várias componentes étnicas da África do Sul num bloco eleitoral ou noutro. Será o mais parecido com democracia que se poderá atingir por agora naquele país…

Mesmo assim, parecendo pouco, será um objectivo difícil de atingir, porque há que conseguir manter toda essa disputa política em graus de violência que se tornem aceitáveis e não façam perigar a coesão nacional…

* O dos zulus, no Século XIX, por exemplo.
** De acordo com o censo de 2001, 23,8% da população fala zulu, 17,6% xhosa, 13,3% africânder, 9,4% sotho do Norte, 8,2% tswana, 8,2% inglês, 7,9% sesotho, 4,4% tsonga, 2,7% swati, 2,3% venda e 1,6% ndebele. Esta era uma questão do censo sobre qual era o idioma predominante em casa, a maioria da população é, compreensivelmente, multilingue.

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