O SPIN DOCTOR DE 1941

Há profissões que nem imaginamos quão antigas são, porque mergulham na obscuridade e reaparecem mais à frente, passado uns anos, mas com outro nome. À que actualmente conhecemos por Spin Doctor, por exemplo, podemos ir encontrá-la a lugares e tempos tão distantes quanto os Estados Unidos em Dezembro de 1941. A sua presença ficou registada porque a tarefa correu mal, bastante mal. Mas vale a pena contar a história desde o princípio…

O famoso ataque japonês a Pearl Harbour, desencadeado em 7 de Dezembro de 1941 e que já foi objecto de tantas recreações em tantos filmes foi apenas a faceta mais espectacular (e mais importante) de um vasto plano militar japonês que envolveu o ataque quase simultâneo a várias guarnições militares das potências ocidentais na Ásia e no Pacífico. No caso dos britânicos, foram atacadas e sucederam-se desembarques de tropas, às suas colónias de Hong Kong e da Malásia…
No caso dos norte-americanos, os alvos foram as Filipinas, e as ilhas de Guam, Wake e Midway, além da já mencionada base de Pearl Harbour nas ilhas Hawaii. Vale a pena reparar, no mapa acima, na disposição consecutiva destas últimas ao longo do Pacífico. Contudo, por falta de recursos de transporte e por já se encontrarem demasiado afastados do Japão, nesse plano não foram previstos desembarques nos dois objectivos mais orientais (Midway e Hawaii).
Guam, Wake (acima), e Midway (abaixo) assemelhavam-se muito quanto à forma como haviam sido anexados pelos Estados Unidos no final do Século XIX: localizavam-se às distâncias ideais para, na era da navegação a carvão, servirem de postos de reabastecimento de combustível e poderem assegurar as viagens através do Pacífico, dada a autonomia dos navios de então. Em 1940, já não se punha o problema da autonomia dos navios, mas agora colocava-se, rigorosamente igual, o da aviação…

É por isso que havia uma conjugação de interesses civis e militares na edificação de pistas de aterragem naqueles atóis remotos. A Pan American, precisava delas como aeroportos de escala para as suas carreiras que ligavam a costa ocidental dos Estados Unidos à Ásia. E é por isso que em pequeníssimos atóis como eram os casos de Wake e Midway, ambos com pouco mais de 6 Km² de área, literalmente perdidos no meio do Pacífico, se podiam encontrar mais de 1.500 pessoas em Dezembro de 1941.
Em Wake havia, naquela altura, cerca de 1.200 civis conjuntamente com um destacamento de 449 fuzileiros. O ataque aéreo de 8 de Dezembro de 1941* destruiu 2/3 da Força Aérea da base: restaram 4 caças F4F Wildcat (abaixo) para, com a artilharia que fora retirada a navios que estavam fora de serviço, fazer frente à força de desembarque japonesa que ali se apresentou três dias depois. Mas nesse dia, tudo correu bem aos americanos que afundaram dois e danificaram outros três navios japoneses.
Os japoneses retiraram com centenas de baixas para apenas um morto entre os defensores. E é nesta altura que aparece o Spin Doctor anónimo que, para delícia de uma América recentemente humilhada por tudo o que se acabara de passar, cria o mito e põe a correr nos jornais que o comandante da guarnição de Wake, numa comunicação rádio com a retaguarda, ao responder sobre as suas necessidades, pediu que lhe enviassem mais japoneses... - Send us more japs…
A notícia chegou a Wake e a guarnição dedicou um colossal apupo ao seu comandante que, por seu lado, sempre negou ter proferido tal disparate. Os japoneses regressaram a 21 de Dezembro, agora com o apoio de dois dos seis porta-aviões (Hiryu e Soryu) que haviam acabado de tomar parte no ataque a Pearl Harbour. Com essa superioridade aérea, a rendição foi rápida – menos de 48 horas. Como relembrou o recente episódio de Ali o Cómico no Iraque, a verdadeira guerra não é terreno propício a Spin Doctors mal preparados…

* Trata-se do mesmo dia do ataque a Pearl Harbour, só que Wake fica a Oeste da linha internacional de mudança de data.