O Hawkeye desta história chama-se Pervez Musharraf e está a atravessar um grande mau bocado porque não se consegue livrar das suspeitas de que tenha estado por detrás do atentado que vitimou Benazir Bhutto. Quanto à designação de mohajir, ela começou por aplicar-se àqueles muçulmanos que, residindo em regiões que vieram a fazer parte da Índia por altura da independência e da partição de 1947, abandonaram os locais onde residiam para se virem estabelecer em territórios que passariam a fazer parte do novo Paquistão.
Houve muitos milhões envolvidos nesse enorme fluxo de refugiados, que fluíam em sentidos cruzados (também havia hindus* e sikhs** que abandonavam as regiões do futuro Paquistão para se estabelecerem na Índia) e, no caso do Paquistão, as suas características comuns acabaram por fazer deles, e dos seus descendentes, mais um grupo cultural distinto dentro da nova nação que então se formava. São conhecidos por mohajirs - a palavra original é árabe e significa migrante – e distinguem-se pelo facto de usarem o urdu, que é idioma oficial do Paquistão.
Os mohajirs e seus descendentes, que representam uma minoria (estimada entre os 4 e os 7%) entre a população total do Paquistão, têm, todavia, uma participação desmesurada para os seus números, no processo de construção do Paquistão. Desde o fundador do país, considerado O Pai da Nação, Mohammad Ali Jinnah*** (abaixo), ao seu primeiro primeiro-ministro Liaquat Ali Khan, estendendo-se inicialmente a uma ampla maioria dos funcionários civis e do corpo de oficiais do novo exército paquistanês. Em 1947, as elites do Paquistão vieram quase todas da Índia.
A interferência histórica dos militares na vida política paquistanesa prolongou o destaque desproporcionado dos mohajirs nela. Dadas as tensões culturais das várias nações existentes dentro do Paquistão, os mohajirs arrogaram-se um certo direito de serem os intérpretes privilegiados de quais serão os factores de identidade nacional. É um problema paquistanês, velho de 60 anos, porque, para além da religião muçulmana, pouco mais parece existir de afirmativo naquele conjunto: o resto só faz sentido se equacionado como oposição ou alternativa à Índia…
Por exemplo, Muhammad Zia-Ul-Haq (abaixo), o general que derrubou e fez executar Zulfikar Ali Bhutto quando se tornou presidente do Paquistão (1977-88) era um mohajir que nascera em 1924 no Punjabe Oriental (que ficou a fazer parte da Índia), assim como também o era o seu sucessor à frente das Forças Armadas (na sequência da morte súbita de Zia-Ul-Haq), Mirza Aslan Beg. A nomeação de um outro mohajir chamado Pervez Musharraf em 1998, para ficar à frente das Forças Armadas paquistanesas não foi, portanto, propriamente uma novidade…
Só que o tempo passa, e as leis da vida, inexoráveis, estão a fazer desaparecer os verdadeiros mohajirs: Musharraf nasceu já em 1943, em Deli, a capital da Índia, e tinha apenas 4 anos por altura da partição e das independências. Agora, a designação de mohajir está a transferir-se para aqueles, como é o caso de Shaukat Aziz, que foi primeiro-ministro entre 2004 até ao mês passado e que já nasceu em 1949, mas em Karachi, para os descendentes daqueles que, originalmente, se arrogavam a superioridade moral de terem sofrido os desconfortos de terem escolhido a sua nacionalidade…
Não deixa de ser simbólico que aquele que é reconhecido como o pai da bomba atómica paquistanesa (Abdul Qadeer Khan) seja um desses últimos mohajirs genuínos, nascido em Bhopal e cuja família emigrou, quando ele tinha 16 anos, para o Paquistão… Ao longo das décadas, muitas das famílias mohajirs acabaram por se integrar bem nas sociedades dos locais onde se estabeleceram. Noutros casos, essas famílias estiveram na base da explosão urbana que o Paquistão registou depois da independência. É o caso de Karachi, a capital económica do Paquistão e bastião dos novos mohajirs.
Mas a expressão perdeu quase todo o conteúdo político distinto que conteve durante o primeiro meio século da História do Paquistão e trata-se cada vez mais de uma designação aplicável a mais uma nação de um país composto por várias (punjabis, pashtuns, sindis, baluches,...) e que parece não conseguir descortinar razões válidas para assim permanecer, a não ser uma regra precautória, estabelecida pela comunidade internacional, que estabelece que, ao contrário do que aconteceu à Jugoslávia, os países com armamento nuclear não se podem desagregar… * Foi o caso da família do economista indiano Amartya Sen (vencedor do Prémio Nobel de 1998), que vivia em Bengala Oriental (hoje, Bangladesh)
** Foi o caso da família do actual primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, que vivia no Noroeste do Punjabe.
*** Embora Jinnah não fosse, tecnicamente, um mohajir, porque nascera em Karachi, pertencia a uma família de origem gujarati (e o Gujarate ficara a pertencer à Índia) e morara, desde há décadas, em Bombaim (que também ficara a pertencer à Índia).
Houve muitos milhões envolvidos nesse enorme fluxo de refugiados, que fluíam em sentidos cruzados (também havia hindus* e sikhs** que abandonavam as regiões do futuro Paquistão para se estabelecerem na Índia) e, no caso do Paquistão, as suas características comuns acabaram por fazer deles, e dos seus descendentes, mais um grupo cultural distinto dentro da nova nação que então se formava. São conhecidos por mohajirs - a palavra original é árabe e significa migrante – e distinguem-se pelo facto de usarem o urdu, que é idioma oficial do Paquistão.
Os mohajirs e seus descendentes, que representam uma minoria (estimada entre os 4 e os 7%) entre a população total do Paquistão, têm, todavia, uma participação desmesurada para os seus números, no processo de construção do Paquistão. Desde o fundador do país, considerado O Pai da Nação, Mohammad Ali Jinnah*** (abaixo), ao seu primeiro primeiro-ministro Liaquat Ali Khan, estendendo-se inicialmente a uma ampla maioria dos funcionários civis e do corpo de oficiais do novo exército paquistanês. Em 1947, as elites do Paquistão vieram quase todas da Índia.
A interferência histórica dos militares na vida política paquistanesa prolongou o destaque desproporcionado dos mohajirs nela. Dadas as tensões culturais das várias nações existentes dentro do Paquistão, os mohajirs arrogaram-se um certo direito de serem os intérpretes privilegiados de quais serão os factores de identidade nacional. É um problema paquistanês, velho de 60 anos, porque, para além da religião muçulmana, pouco mais parece existir de afirmativo naquele conjunto: o resto só faz sentido se equacionado como oposição ou alternativa à Índia…
Por exemplo, Muhammad Zia-Ul-Haq (abaixo), o general que derrubou e fez executar Zulfikar Ali Bhutto quando se tornou presidente do Paquistão (1977-88) era um mohajir que nascera em 1924 no Punjabe Oriental (que ficou a fazer parte da Índia), assim como também o era o seu sucessor à frente das Forças Armadas (na sequência da morte súbita de Zia-Ul-Haq), Mirza Aslan Beg. A nomeação de um outro mohajir chamado Pervez Musharraf em 1998, para ficar à frente das Forças Armadas paquistanesas não foi, portanto, propriamente uma novidade…
Só que o tempo passa, e as leis da vida, inexoráveis, estão a fazer desaparecer os verdadeiros mohajirs: Musharraf nasceu já em 1943, em Deli, a capital da Índia, e tinha apenas 4 anos por altura da partição e das independências. Agora, a designação de mohajir está a transferir-se para aqueles, como é o caso de Shaukat Aziz, que foi primeiro-ministro entre 2004 até ao mês passado e que já nasceu em 1949, mas em Karachi, para os descendentes daqueles que, originalmente, se arrogavam a superioridade moral de terem sofrido os desconfortos de terem escolhido a sua nacionalidade…
Não deixa de ser simbólico que aquele que é reconhecido como o pai da bomba atómica paquistanesa (Abdul Qadeer Khan) seja um desses últimos mohajirs genuínos, nascido em Bhopal e cuja família emigrou, quando ele tinha 16 anos, para o Paquistão… Ao longo das décadas, muitas das famílias mohajirs acabaram por se integrar bem nas sociedades dos locais onde se estabeleceram. Noutros casos, essas famílias estiveram na base da explosão urbana que o Paquistão registou depois da independência. É o caso de Karachi, a capital económica do Paquistão e bastião dos novos mohajirs.
Mas a expressão perdeu quase todo o conteúdo político distinto que conteve durante o primeiro meio século da História do Paquistão e trata-se cada vez mais de uma designação aplicável a mais uma nação de um país composto por várias (punjabis, pashtuns, sindis, baluches,...) e que parece não conseguir descortinar razões válidas para assim permanecer, a não ser uma regra precautória, estabelecida pela comunidade internacional, que estabelece que, ao contrário do que aconteceu à Jugoslávia, os países com armamento nuclear não se podem desagregar… * Foi o caso da família do economista indiano Amartya Sen (vencedor do Prémio Nobel de 1998), que vivia em Bengala Oriental (hoje, Bangladesh)
** Foi o caso da família do actual primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, que vivia no Noroeste do Punjabe.
*** Embora Jinnah não fosse, tecnicamente, um mohajir, porque nascera em Karachi, pertencia a uma família de origem gujarati (e o Gujarate ficara a pertencer à Índia) e morara, desde há décadas, em Bombaim (que também ficara a pertencer à Índia).
Aprender, aprender sempre!
ResponderEliminarDesejo-lhe um excelente 2008.
Agradeço-lhe o comentário e retribuo-lhe os votos de um excelente 2008 para si a que adiciono os de muitos postes no seu "Bons tempos".
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