20 dezembro 2009

À MESA DAS NEGOCIAÇÕES

Nos comentários a O Domínio dos Deuses, o 17º álbum de aventuras de Astérix, aparecido em 1971, tenho lido muitas referências aos temas ali satirizados por René Goscinny, no quadro da França dos anos finais da grande fase de expansão económica do pós-guerra, depois das Revoltas de Maio de 68 até ao choque petrolífero do Outono de 1973 e à morte de Georges Pompidou em Abril de 1974.
Os comentários que tenho lido concentram-se sobretudo nas descrições satíricas da tecnocracia (representada pelo arquitecto ambicioso), os mega-projectos urbanísticos nas periferias das grandes cidades, os contingentes de trabalhadores imigrantes contratados para os construir (ali representados pela proveniência heterogénea dos escravos) ou os processos manhosos usados na promoção imobiliária (o sorteio durante o espectáculo no circo).
Porém, não me lembro de ter lido referências a um dos aspectos daquele álbum onde Goscinny se mostra mais feroz: o das relações laborais e das negociações sindicais. Para o fazer, o autor subleva os legionários da guarnição romana de Aquarium para depois fazer deles uns idiotas reivindicativos mas vencedores de vitórias menores, para se deixarem facilmente manipular naquilo que convinha aos protagonistas.
Passados quase 40 anos, a França e o Mundo mudaram imenso, mas a imagem ali concebida por Goscinny – e, não esquecer, desenhada por Uderzo… – parece permanecer válida. Como já terei referido neste blogue, a renovação dos quadros sindicais entre nós, especialmente de topo, é uma piada: Manuel Carvalho da Silva é o coordenador da CGTP há 23 anos e João Proença é o secretário-geral da UGT há cerca de uns 15…
Mas o que mais me deixa perplexo é como a comunidade informativa aceita as suas rábulas queixosas, lamentando-se do crescimento das desigualdades sociais em detrimento daqueles que dizem defender, como se eles próprios não passassem de uma espécie de Gabriel Alves, uns comentadores aplicados mas distanciados, de um jogo negocial em que comentam mas não participam nem assumem as responsabilidades…
É que assim fica-se sem perceber quais as quotas-partes de responsabilidade de quem se senta à mesa daquelas famosas negociações... Ou será que, afinal e como suspeito, as mesas das negociações já há muito tempo (há para aí uns 38 anos...) que, na prática, não servem para nada?...

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