05 fevereiro 2021

OS DOIS PARTIDOS COMUNISTAS DA PENÍNSULA NUNCA SE DERAM BEM...

5 de Fevereiro de 1981. Mais interessante do que o conteúdo da noticia sobre o encontro entre Álvaro Cunhal e Santiago Carrillo (secretários-gerais dos partidos comunistas português e espanhol) é o destaque que o encontro merece ao Diário de Lisboa: primeira página e ao centro, a localização mais nobre de um jornal, o que é verdadeiramente notável se atendermos ao facto que qualquer dos dois partidos comunistas não ocupavam o poder nos respectivos países. Um outro aspecto a merecer atenção é o título, a rematar com a expressão "desanuviamento", deixando implícito que há um "anuviamento", uma antipatia que se sabia histórica entre os dois protagonistas, Cunhal e Carrillo. Aqueles que prestassem ainda mais atenção, aperceber-se-iam que a notícia se limitava apenas ao comentário da parte portuguesa sobre o estado das relações entre partidos-irmãos (na linguagem da ortodoxia comunista), que aqui eram irmãos desavindos. Entregue esse comentário à pessoa e ao estilo discursivo de Vítor Dias (que, há meia dúzia de anos, ainda "era" do MDP/CDE...), o resultado era palavroso em excesso e sem conter nada de substantivo: «O adiamento pelo PCE para o segundo semestre deste ano da concretização de propostas de visitas mútuas dos secretários-gerais de ambos os partidos não favorece o objectivo pretendido pelo nosso partido de debater com franqueza as divergências existentes e promover uma troca de opiniões sobre todas as questões de interesse mútuo.» A proposta do seu partido significava «de facto» a introdução de «um elemento favorável nas relações entre os dois partidos. Todavia, o adiamento das nossas propostas parece não poder dissociar-se das dificuldades internas do PCE, que, como é sabido, em data posterior à proposta do nosso partido registou uma agudização com as conclusões do recente congresso do PSUC que se afastou de conhecidas teses* do secretário-geral do PCE».  O PCP «mantém-se fiel à sua posição de não ingerência nas questões internas de outros partidos. Concretamente, sendo conhecida a natureza da divergências existentes entre o PCE e o PCP e nomeadamente o seu secretário-geral Santiago Carrillo (...) Não nos cabe dar ou retirar a mão a dirigentes de outros partidos». Em suma: detestamo-nos mutuamente, não podemos é assumir isso numa frase clara e curta. Vítor Dias era ímpar a escrever textos tão maçudos que, no fim deles, já nem nos lembrávamos qual fora o assunto inicial.
* nota minha: euro-comunistas.

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