Vou regressar neste blogue mais uma vez ao 23F e sobretudo à cena que se desenrolou em pleno congresso dos deputados espanhóis nesse dia 23 de Fevereiro de 1981. O que interessa desta vez é que a cena produziu três heróis para uma Espanha que, numa lógica que não se distinguirá assim tanto da tauromaquia, continua a apreciar aquele mesmo género de coragem física. Os heróis da cena foram Adolfo Suárez e – para vergonha do professor (Marcelo Rebelo de Sousa), quando exibiu a sua ignorância sobre os restantes dois há um pouco mais de seis meses na TVI por ocasião da morte daquele – Gutiérrez Mellado e Santiago Carrillo, as três únicas pessoas presentes que desobedeceram ostensivamente às ordens dadas para se agacharem.
Se em Anatomia de Um Instante, um livro da autoria de Javier Cercas, publicado em 2009 – e que, nessa mesma altura, se percebeu que o professor não terá lido, logo ele que tantos livros recomenda aos outros... – é Adolfo Suárez que desaba do pedestal onde havia sido colocado pelo regime por causa da forma bem sucedida como gerira a Transição do franquismo para a democracia, foi com surpresa e curiosidade idênticas que descobri a recensão acima aparecida numa The Economist de Setembro passado, onde desde logo o título (O Último Estalinista – A Vida de Santiago Carrillo), não pressagia nada de bom quanto à imagem que o autor (Paul Preston – autor de uma biografia de Franco, já aqui referida) pretende transmitir do biografado.
E, depois de acabada a leitura, confirma-se que é mesmo assim. Paul Preston mostra-se empenhado em exumar o passado do jovem revolucionário, a sua evolução para apparatchik comunista até uma liderança do PCE personalizada na sua pessoa de uma forma que o autor equipara ao estalinismo. Mais compacta, mas também mais amiga do leitor, a biografia serve também para aferir a homóloga que está a ser escrita por José Pacheco Pereira sobre Álvaro Cunhal. A história do comunismo na clandestinidade parece ser assustadora e igualmente sórdida. Mas o pior será, após Juan Carlos ter sido apanhado a caçar elefantes em época inoportuna para safaris, este lento corroer da mitologia do regime, sem que nada apareça para a substituir...
Recomenda-se o livro. Se não for um abuso de preço, sempre se pode esperar pela tradução, que é provável. Ao mais, intriga-me imaginar, gasto o de estalinista com Carrillo, que adjectivo poderia Preston empregar com Cunhal...
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