Esta primeira parte da história envolve um embaixador mas não envolve embaixadas. O embaixador em questão era um moço desenrascado que, saído muito novo da terra que o viu nascer, arranjou um emprego no Hotel Embaixador em Lisboa (acima), antes das sortes o levaram para a tropa e para o Ultramar, período ao longo do qual foi tratado pela alcunha do hotel de origem. Finda essa sua guerra, o embaixador ter-se-á deixado de cosmopolitismos e regressou à terra onde, vários anos mais tarde, um seu antigo oficial daqueles tempos em que fora importante (pelo menos na forma de tratamento...) o encontrou como sócio de um restaurante da terra. Restaurante relativamente consolidado, a estrutura da sociedade já reflectia as evoluções de um punhado de décadas de exploração bem-sucedida. Houvera inicialmente dois sócios, um deles morrera mas legara/vendera a sua metade a três empregados que assim se haviam tornado sócios por sua vez mas com quotas menores. E deu a esse antigo oficial, que se tornou cliente ocasional do restaurante, recuperar, em jeito de brincadeira, a alcunha de outrora associado a um tratamento cerimonioso: - Senhor embaixador! Alargando o âmbito da brincadeira, que parecia diverti-lo especialmente embora não tivesse grande sucesso e se estava até a tornar repetitiva demais, os outros sócios passaram a ser tratados de forma deferente correspondente: senhor ministro (dos negócios estrangeiros, pressupunha-se) para o sócio sénior, senhor cônsul para os seus dois colegas, eram formas de tratamento de uma ironia de um rigor hierárquico que era até pena que se perdesse na ignorância e na incompreensão do corpo diplomático que trabalhava naquele Palácio das Necessidades.
A segunda parte da história já envolve um embaixador a sério e só episodicamente envolverá embaixadas, contudo envolve um blogue de indiscutível sucesso, o Duas ou Três Coisas de Francisco Seixas da Costa. E na origem de tal sucesso estará, na humilde opinião deste vosso narrador, além dos seus evidentes predicados como contador de histórias e a sua lucidez como analista da situação internacional, a adopção de um estilo muito próprio, que creio ser profissional (e que eu baptizaria de estilo CD: corpo diplomático...), de contornar as diferenças frontais de opinião. Mostra-nos a experiência que, quando um parágrafo de Seixas da Costa com protestos de estima e consideração por alguém começa a ultrapassar as dez linhas de extensão é sinal para que o visado se ponha à defesa, porque a esse se seguirá um parágrafo de extensão idêntica, mas de contundência superior, em que o nosso estimado embaixador desfará a imagem elogiosa previamente urdida. Outro aspecto característico do blogue, tão honesto quanto o anterior mas muito menos CD, é que as suas notas necrológicas não têm aquele tom genericamente eufemístico e dulcificado de quem se passou, e tornam-se oportunidades para ajustar algumas contas antigas com antagonistas políticos de outrora. Em suma, como Sam o Lavrador da quadrilha de Joss Jamon, e embora não se tratando evidentemente de honestidade mas de facciosismo político, Francisco Seixas da Costa faz-me lembrar a maliciosa descrição que abaixo se pode ler naquela aventura de Lucky Luke, parafraseando-a: por um engano da natureza, foi beneficiado com uma reputação de pessoa ponderada. O que, acrescente-se, dá ainda mais charme ao blogue num exaltante contraste, por exemplo, com as histórias de Jaime Nogueira Pinto na trincheira do outro lado. O que me levou a contar, porém, a primeira parte desta história, com aquela parte final dos títulos e mesuras a despropósito e sem graça nenhuma, é aquele ambiente um pouco groupie que se pode ler instalado na caixa de comentários do blogue, algo de que o próprio autor nem tem culpa, mas que naturalmente não deixa de o afectar, numa certa ingenuidade (muito pouco CD...) como parece incorporar os rasgados elogios que ali lhe são ministrados (leia-se o seu comentário a este poste).
Achei muita graça ao seu comentário, embora ele se apresente como um paternal auxiliar de leitura para quem - esses sim, ingenuamente - não tenham a habilidade para "ler" o que, pelos vistos, subliminarmente escrevo. Tem razão: o recurso ao "having said that" é, por vezes, a forma de balancear uma avaliação. Só se está a esquecer que, as mais das vezes, eu não ajusto contas com mortos, faço-o com os vivos ou mesmo com os vivaços.
ResponderEliminarFiquei desapontado porque aquilo que qualifica como "paternal auxiliar de leitura" é uma ideia - pelos vistos manifestamente "inconseguida" - inspirada por si quando o li a explicar aos seus leitores as técnicas como se costuma branquear a história do Estado Novo (http://duas-ou-tres.blogspot.pt/2014/10/uma-sintese.html).
ResponderEliminarOra eu não o considero em nada inferior a Rui Ramos nem os leitores do meu blogue (apesar de infinitamente menos e menos expansivos) inferiores aos leitores do seu para que não ousasse fazer aqui um exercício semelhante. A sua reacção é um indicativo de um semi-sucesso, mas também estou crente que o Rui Ramos não terá dado pulos de alegria depois da excisão da citação que lhe fez.
Uma pergunta final, sinal de que, para além do "having said that", há ainda muito de insondável na sua pessoa: quase que me apoda de "vivaço", de outra vez qualificou o meu blogue de "finaço"; o sufixo "-aço" tem algum significado mais específico para si?
Caro A. Teixeira (a frequência da correspondência começa a autorizar o adjetivo).
ResponderEliminar1. Eu não sou historiador, longe disso. Sou um "João Semana" da blogosfera: trato um pouco de tudo. Quanto aos leitores, como dizia o Eça, alguns "fazem o favor de ser meus amigos".
2. O RR é o produto direto de uma nova geração que não sofreu o passado e acaba por ser o contraponto de uma deriva esquerdista que, nas últimas décadas, marcou a historiografia sobre a ditadura. Não me passa pela cabeça que ele me leia - ao contrário de mim, que tenho por hábito (masoquista) ler tudo o que contraria o que eu penso.
3. Não lhe chamei "vivaço" a si! Está enganado quanto ao "insondável": comigo "what you see is what you get". Tão simples como isso.
Meu Caro Francisco Seixas da Costa (subscrevo o seu comentário quanto às razões para a forma de tratamento, acrescento que o A. é abreviatura de António)
Eliminar1 – Creio que a modéstia, quando em excesso, acaba por resultar mal. Se nesta troca de opiniões alguém poderá legitimamente desempenhar o papel de “gato borralheiro” serei eu.
2 – E estou convencido que nem ao Observador terão interessado muito as capacidades como historiador de Rui Ramos para redigir aquele artigo, apenas a reputação. A ideia terá sido aproveitar o que eu considero não passar de uma asneira grosseira de alguns deputados com aquele incidente dos bustos na Assembleia da República para “espetar algumas bandarilhas” para gozo dos leitores do jornal.
3 – Se o Rui Ramos não lê o que escreve (algo que nenhum de nós pode confirmar ou desmentir, suponho), então devia, pelas razões que alguns daqueles que “fazem o favor de ser seus amigos” poderiam expor com muito mais exuberância que eu. Sei porém, que José Manuel Fernandes lê, porque já lhe li algures um queixume sobre as “nódoas negras” que o seu “abraço de urso” lhe causou.
4 – Gostaria de lhe fazer notar que, pela lei da vida, a História acaba sempre sendo escrita por “quem não sofreu o passado”. Quem o sofreu regista o seu testemunho, mas a preservação e tratamento transmite-se para as gerações vindouras. E será da natureza humana cada uma procurar distinguir-se da que a precedeu.
5 – Quanto ao seu “hábito (masoquista) de ler tudo o que contraria o que pensa”, e porque o sei apreciador de António Aleixo, permita-me dizer-lhe o quanto faz bem e recordar-lhe aquela famosa quadra dele:
Com(s)igo em contradição
Pode estar um bom amigo
Desconfi(e) mais dos que estão
Sempre de acordo com(s)igo
6 – ...e não me tendo chamado vivaço, fiquemo-nos ao menos pela vivacidade com que lhe endereço um abraço, agradecendo a atenção dispensada.
Só agora comento este post por ter estado fora durante uns tempos.
ResponderEliminarSou assíduo leitor dos dois blogues e compraz-me verificar que António Teixeira e Francisco Seixas da Costa se (des)entendem de vez em quando.
Continuem.
Nós apreciamos.
Bem hajam.