Eram 9H15 daquela noite veranil de 31 de Julho de 1914, Sexta-Feira, quando Jean Jaurès, o director do jornal parisiense (então socialista...) L’Humanité, chegou a um restaurante nas proximidades do jornal para jantar. Fazia-o acompanhado de um punhado de trabalhadores do jornal e, apesar do restaurante Choppe du Croissant (que ocupava a esquina entre as ruas do Croissant e de Montmartre) estar cheio, o caracter de clientes regulares garantiu-lhes uma mesa comprida à esquerda de quem entra. Jean Jaurès, que serio o paradigma do socialismo pacifista daquela época em França, ocupou a cabeceira, de costas para a janela, aberta por causa do calor que se fazia sentir. A conversa versaria a tensão crescente da situação internacional: a Alemanha enviara naquele dia um ultimato à Rússia, mais uma das várias mensagens que precipitaria dai por dias o início da Primeira Guerra Mundial. Subitamente, por volta das 9H40, os pedidos ainda não haviam sido feitos, quando alguém afasta a pequena cortina por detrás de Jaurès e, de revolver na mão, lhe desfecha dois tiros. A primeira bala, alojando-se no crânio, teria sido suficientemente mortal. Os companheiros de Jaurès depositaram-no sobre o balcão do restaurante. Um farmacêutico presente no restaurante verifica a pulsação do ferido e faz uma expressão consternada. Um médico, entretanto chamado, aparece minutos depois para se limitar a constatar o óbito. Entretanto partido em perseguição do assassino, um dos membros do grupo, chega a apanhá-lo e a detê-lo com a ajuda de um polícia. O assassino chama-se Raoul Villain, tem 28 anos, é de Reims, um passado de militância em organizações nacionalistas de direita e uma hereditariedade não muito abonatória: a mãe e uma avó haviam sido casos psiquiátricos. Terá também um futuro curioso: salvo da execução na guilhotina por um julgamento tendencioso que só veio a ter lugar em 1919, veio a morrer executado sumariamente e por fuzilamento em Ibiza, Espanha, em 1936, quando o arquipélago das Baleares foi ocupado pelos poderes revolucionários republicanos (no caso, anarquistas), logo no início da Guerra Civil de Espanha.
Mas o que importa para a História é que em França ainda hoje se tem a pretensão que este assassinato neutralizou a resistência da classe operária francesa à militarização que precipitou as nações para a Grande Guerra em 1914. É uma tese que não resiste à comparação do que aconteceu com as classes operárias alemã e britânica, onde não foi preciso assassinar os seus dirigentes mais pacifistas porque eles acabaram afastados pelo próprio curso dos acontecimentos (foi o caso de Ramsay MacDonald no Reino Unido, por exemplo). Ou seja, é muito questionável que o assassinato de Jean Jaurès naquela altura tivesse tido uma influência determinante nos acontecimentos, mas tem imensa daquela panache gaulesa pressupor-se que sim e, mais do que isso, apresentar-se essa conclusão como incontroversa, rematada com o pressuposto que todos saberão quem foi Jean Jaurès e o que terá significado o seu assassinato. É assim que ainda hoje, um Vasco Correia Guedes (a.k.a. Vasco Pulido Valente) que se obrigara a ter de explicar previamente o significado das iniciais SFIO (Section Française de l’Internationale Ouvrière e não Socialiste, como no final se pode ler) na sua crónica, consegue escrever mais adiante: Como se sabe, um nacionalista tresloucado assassinou Jaurès, o chefe da SFIO, e os trabalhadores preferiram a França à solidariedade internacional. Ora saber, saber-se, sabe-se que o Vasco se apresenta regularmente bêbado, que se contradiz com o maior descaramento, que tenta regredir tudo aquilo em que se mete até acontecimentos do Século XIX, que se esmera em não mostrar qualquer opinião que passe por razoável e que o que escreve frequentemente não suporta o escrutínio daqueles que podem conhecer em profundidade o assunto sobre o qual o Vasco escreveu. A saber-se e como se sabe, a maioria dos papalvos que mostram apreciá-lo, citando-o e transcrevendo-o, não faz a mínima ideia quem foi e como morreu Jean Jaurès, muito menos as controvérsias associadas às consequências do seu assassinato. Para complementar a crónica do Vasco, eis aqui a história com alguns pormenores: os mais ao gosto popular - modelo jornal da TVI - e os outros.
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