02 março 2007

QUATRO REPÚBLICAS FRANCESAS

Há duas características que me intrigam nas repúblicas francesas: o facto de se deixarem representar figurativamente por uma mulher (em cima, a popular Marianne original, de barrete frígio e envergando uma austera toga clássica) e o critério, que me parece ser profundamente monárquico, de se ordenarem por ordinais empregando a numeração romana. Afinal, a república francesa original, que durou de 1792 a 1799, surgida na sequência da Revolução Francesa, não tinha nada de feminino e foi proclamada em contraponto à monarquia de Luís XVI.
A II República quase nem chegou a existir (1848-51), abafada na origem por um projecto pessoal de poder (de Napoleão III), que foi um episódio onde a história se misturou com a comédia. A III República, em contrapartida, proclamada por uma Assembleia onde até havia uma maioria de monárquicos, foi a mais duradoura de todas: 70 anos, de 1870 a 1940. Note-se como a Marianne de cima perdeu o barrete frígio e a sobriedade revolucionária mas, em contrapartida, se tornou burguesa e ganhou um broche onde os motivos são descaradamente de inspiração maçónica, anticlericais.
Em contrapartida, parece haver qualquer coisa de religioso, a fazer lembrar a expiação – será a da derrota e colaboração com os alemães do regime de Vichy entre 1940 e 44? – nesta Marianne da IV República (1946-58), onde, por detrás do escudo com a cruz da Lorena no peito (o símbolo da França Livre proclamada no exílio por de Gaulle), para lá dos louros, os motivos esculpidos quase parecem sugerir o sagrado coração de Maria das imagens religiosas.
O contraste é enorme com esta Marianne da V República (desde 1958) que, desconfio, desagradaria até aquele em intenção do qual o regime foi criado, Charles de Gaulle. O barrete frígio é recuperado, mas como se se tratasse da criação da última colecção primavera/verão de um costureiro famoso e a atenção dedicada à finura dos traços da fisionomia, sugerem uma sociedade onde a aparência se sobrepõe à substância. Um país onde é necessário ser-se uma Ségolène para se tornar possível que uma mulher chegue ao poder*…
* Em contraste com Thatcher ou Merkel.

2 comentários:

  1. A mais bela Marianne foi a que exibia os traços de Brigitte Bardot.
    Os homens fizeram as sucessivas Repúblicas "Et Dieu créa la femme"...

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  2. Talvez a BB encarnasse melhor o modelo para a Marianne dos princípios da V República com de Gaulle e Pompidou...

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