23 março 2007

1939 E 1941, AS PIRUETAS DIALÉCTICAS OU A DIALÉCTICA DAS PIRUETAS

A fotografia acima é um justo símbolo da vitória russa sobre a Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial. Contudo, até ali chegar, muito se passou e muito do que se passou não foi nada linear. A uma distância de 68 anos e extintas as animosidades da guerra-fria é difícil não analisar com bonomia as vicissitudes por que passaram os dirigentes e militantes comunistas da época, abalroados nas suas coerências pelas necessidades das manobras diplomáticas e estratégicas da União Soviética.
É muito conhecida a manobra diplomática de surpresa que, nos finais do mês de Agosto de 1939, veio a estabelecer um Pacto entre a Alemanha e a União Soviética (acima). Uma boa parte da surpresa foi causada pela animosidade ideológica entre os dois regimes, que até já fora objecto de um confronto anterior sangrento, embora por facções interpostas, durante a Guerra Civil de Espanha. Descartada a ideologia, os dois regimes assentaram na altura numa solução pragmática, mutuamente vantajosa (partilha da Polónia), que os tornava cúmplices.

O que noutros países – como Portugal – deve ter sido um pormenor ideológico que apenas testava a agilidade dos rins para a capacidade argumentativa dos comunistas (vulgo dialéctica marxista), deve ter assumido nos países que já estavam directamente envolvidos no conflito desde o seu início (Alemanha, Polónia, Reino Unido e França) aspectos de dilema com que não é difícil simpatizar, como terá sido o caso do PCF e do seu dirigente máximo, Maurice Thorez (abaixo), naqueles meses do Outono de 1939.
O Partido Comunista Francês, cujos deputados haviam votado favoravelmente o Orçamento de Guerra no Parlamento e cujos dirigentes e militantes haviam aceite a ordem de mobilização geral decretada pelo governo quando da declaração de guerra, acabou por se ver instado por Moscovo a alterar o seu discurso e a denunciar o carácter imperialista da guerra, o que acabou por o isolar politicamente (uma fracção dos seus deputados vieram a abandoná-lo), a vir a ser considerado suspeito e depois ilegalizado (26 de Setembro de 39), culminando com a deserção de Thorez por instruções superiores, que partiu para Moscovo.

Sacolejados assim sem qualquer cerimónia na sua coerência nacional pelas necessidades russas quanto à definição de prioridades das ameaças, os partidos comunistas dos países europeus, tipificados no maior deles, o francês, vão passar por momentos humilhantes, durante estes anos de 1939 a 1941, de que um exemplo evidente é o episódio em que se solicitou às autoridades alemãs de Paris (1940) que o jornal do partido, o L´Humanité, pudesse tornar a ser legalmente publicado, o que foi liminarmente recusado (com a concordância evidente de Vichy).
Mas, mudemo-nos para o continente americano, e saiba-se como, por esses anos, também ali se travava também uma guerra terrível pela formação da opinião pública quanto à posição a adoptar pelos Estados Unidos em relação ao conflito mundial. A coligação que se opunha à participação norte-americana era bem bizarra (acima), com a confluência objectiva dos interesses ideológicos dos isolacionistas nativos (protagonizados pelo popular Charles Lindbergh) com os interesses estratégicos da Alemanha e da Rússia.

Mas vale a pena exemplificar a segunda pirueta dialéctica num episódio engraçado, passado em Nova Iorque, quando, à entrada de um comício dos Fighters For Freedom* (uma organização que fazia lóbi pela participação dos Estados Unidos na guerra ao lado dos aliados), os participantes foram acolhidos à entrada por uma contra manifestação de protesto cujos membros empunhavam cartazes denunciando os intervencionistas como joguetes do imperialismo britânico a soldo dos capitalistas de Wall Street…
À saída já não havia contra manifestação nenhuma. Estava-se a 22 de Junho de 1941 e soubera-se entretanto que a Alemanha invadira a Rússia… O relato que li não esclarece se os contra manifestantes entraram logo directamente no recinto para participarem no comício, ou se ainda passaram pela sede para receberem novas instruções sobre o que fazer…
* Combatentes pela Liberdade

2 comentários:

  1. Post absolutamente fantástico. Realmente, o pacto germano-soviético deve ter sido muitíssimo difícil de explicar pelos comunistas, principalmente após a guerra civil espanhola. Como fez o PCP?

    ResponderEliminar
  2. Do que li, o PCP, como os outros partidos dos países europeus, fez o zigue (em 1939) e o zague (em 1941) que as circunstâncias impuseram. Mesmo assim tiveram o benefício de não passar por totalmente incoerentes nas respectivas situações nacionais, porque as directivas do pragmatismo dialéctico apenas se aplicavam à Alemanha e não – por exemplo - às outras ditaduras fascistas e de extrema-direita (que eram os regimes da restante Europa latina).

    ResponderEliminar