Na Europa sobrevivem actualmente cinco micro-estados que, ao contrário de ilhas e arquipélagos isolados no meio do oceano*, em que é a própria evidência da geografia que os justifica, só a história e alguma desatenção ou circunstância especial nos processos de unificação dos seus vizinhos no passado os consegue explicar. São eles: Andorra (71.000 Habitantes e 468 Km2), o Mónaco (35.000 e 2 Km2), o Liechtenstein (34.000 e 160 Km2), São Marino (28.000 e 61 Km2), e o Vaticano (800 habitantes e 44 hectares). A dimensão demográfica e territorial de um concelho médio português.
Cada um deles tem a sua história, e os registos da maioria deles começam na Idade Média, numa época em que a organização política em vigor na Europa (o feudalismo) fazia com que o continente estivesse politicamente retalhado numa miríade de centros de poder de uma dimensão reduzida, precisamente à mesma escala daqueles que foram enumerados acima. Vistos de uma certa forma, aqueles micro-estados serão como fósseis vivos de uma Europa política que há muito se extinguiu.
Pretendendo abordar cada um desses países curiosos mais em detalhe, resolvi começar por aquele que tem o nome mais impronunciável de todos: o Liechtenstein. A história do meu interesse mais a sério por tal lugar começa por uma sessão dos célebres Jogos sem Fronteiras em que, para meu espanto, a equipa suíça e os seus tradicionais dorsais com o CH pareciam ter desaparecido, embora substituídos por uma equipa identificada por um misterioso FL: Fürstentum Liechtenstein (Principado do Liechtenstein).
O Liechtenstein é assim uma daquelas tradicionais monarquias, ao contrário das duas repúblicas que o cercam, a Áustria e a Confederação Helvética (Suíça), país com o qual, aliás, o principado tem diversos acordos: aduaneiro, postal, de defesa e de relações exteriores. Tivesse a história sido um bocadinho diferente e o principado (mas sem príncipe…) seria hoje mais um dos cantões da confederação, ou então faria parte do pequeno estado federado austríaco de Vorarlberg.
As referências mais antigas aos feudos daquela região (Vaduz e Schellenberg) datam do século IX, e eram dependências do poderoso ducado da Suábia, cuja maioria do território ficava situado no sul da actual Alemanha. Com a execução do último duque, Conrado V de Hohenstaufen, em 1268, e o desaparecimento do titular, o vínculo dos vários feudos que constituíam o ducado passou a estabelecer-se directamente com o imperador reinante do Sacro Império Romano Germânico (o título era electivo).
Este século XIII viu também nascer, a leste e oeste do Liechtenstein, dois núcleos de agregação de feudos que mais tarde vieram a tornar-se nos países, respectivamente, da Áustria e da Suíça. O primeiro, mais convencional e monárquico, era protagonizado pelos Habsburgos, através de conquistas selectivas adicionadas a políticas matrimoniais maduramente reflectidas, sempre vocacionadas para a expansão dos seus domínios. Uma técnica que havia de culminar, no século XVI, na metade da Europa sob as várias coroas de Carlos V.
Cada um deles tem a sua história, e os registos da maioria deles começam na Idade Média, numa época em que a organização política em vigor na Europa (o feudalismo) fazia com que o continente estivesse politicamente retalhado numa miríade de centros de poder de uma dimensão reduzida, precisamente à mesma escala daqueles que foram enumerados acima. Vistos de uma certa forma, aqueles micro-estados serão como fósseis vivos de uma Europa política que há muito se extinguiu.
Pretendendo abordar cada um desses países curiosos mais em detalhe, resolvi começar por aquele que tem o nome mais impronunciável de todos: o Liechtenstein. A história do meu interesse mais a sério por tal lugar começa por uma sessão dos célebres Jogos sem Fronteiras em que, para meu espanto, a equipa suíça e os seus tradicionais dorsais com o CH pareciam ter desaparecido, embora substituídos por uma equipa identificada por um misterioso FL: Fürstentum Liechtenstein (Principado do Liechtenstein).
O Liechtenstein é assim uma daquelas tradicionais monarquias, ao contrário das duas repúblicas que o cercam, a Áustria e a Confederação Helvética (Suíça), país com o qual, aliás, o principado tem diversos acordos: aduaneiro, postal, de defesa e de relações exteriores. Tivesse a história sido um bocadinho diferente e o principado (mas sem príncipe…) seria hoje mais um dos cantões da confederação, ou então faria parte do pequeno estado federado austríaco de Vorarlberg.
As referências mais antigas aos feudos daquela região (Vaduz e Schellenberg) datam do século IX, e eram dependências do poderoso ducado da Suábia, cuja maioria do território ficava situado no sul da actual Alemanha. Com a execução do último duque, Conrado V de Hohenstaufen, em 1268, e o desaparecimento do titular, o vínculo dos vários feudos que constituíam o ducado passou a estabelecer-se directamente com o imperador reinante do Sacro Império Romano Germânico (o título era electivo).
Este século XIII viu também nascer, a leste e oeste do Liechtenstein, dois núcleos de agregação de feudos que mais tarde vieram a tornar-se nos países, respectivamente, da Áustria e da Suíça. O primeiro, mais convencional e monárquico, era protagonizado pelos Habsburgos, através de conquistas selectivas adicionadas a políticas matrimoniais maduramente reflectidas, sempre vocacionadas para a expansão dos seus domínios. Uma técnica que havia de culminar, no século XVI, na metade da Europa sob as várias coroas de Carlos V.
O modelo suíço era mais revolucionário, republicano, resultante de tratados de assistência militar mútua, firmados entre cantões em resistência ao expansionismo precisamente de dinastias ambiciosas como a dos Habsburgos. O território do actual Liechtenstein vogou durante séculos nessa espécie de terra de ninguém ideológica até que nos princípios do século XVIII, a família Liechtenstein, que era originária da Baixa Áustria, adquiriu os direitos dos dois feudos, reunindo-os e dando o nome ao país.
Ao contrário de outros casos, onde é o nome do país que se transmite à casa reinante, aqui passou-se precisamente o contrário, porque foi o principado que adquiriu o nome da família reinante. Na altura da aquisição, os Liechtenstein já eram enormes proprietários fundiários, na Áustria, República Checa, Polónia e Hungria (mais de 1.850 Km2, só nos três últimos países), mas foi o privilégio de passarem a ser súbditos directos do imperador austríaco (além de príncipes soberanos) que motivou a aquisição.
Os primeiros soberanos raramente visitaram o seu principado e a sua política externa era uma extensão da austríaca, o que originou alguns resultados engraçados. Durante a Guerra de 1866, que opôs a Áustria à Prússia, e vencida por esta última, mas com o Liechtenstein a alinhar com o lado vencido. Em primeiro lugar, o seu exército de 80 homens que foi mobilizado para lutar ao lado dos austríacos regressou com mais gente do que partiu: não chegou a combater e houve cidadãos que só depois se lhe juntaram…
Depois, o Tratado de Paz que se seguiu esqueceu-se de contemplar o Liechtenstein, que evidentemente também havia declarado guerra à Prússia. Não consigo garantir se os dois países continuaram por muitos anos tecnicamente em estado de guerra, mas asseguro que agora é bastante tarde para corrigir a situação: a Prússia, enquanto entidade jurídica de direito internacional deve ter desaparecido em 1918 com a abolição do Império Alemão. De certa maneira, o Liechtenstein venceu…
Pode ter sido por isso, que o Liechtenstein se deixou de belicismos e adoptou (a partir de 1918) a mesma política de neutralidade da vizinha Suíça, que o livrou de ter sido envolvido na Segunda Guerra Mundial. Numa certa perspectiva, o Liechtenstein é mais um cantão suíço, só que com algumas peculiaridades. Algumas são engraçadas: o país é um dos grandes produtores mundiais de próteses dentárias, vulgo dentes postiços. Outra grande produção industrial é a de tripa para salsichas…
Em contrapartida há aspectos que não têm assim tanta piada. Num assomo que se parece muito com o nosso caciquismo autárquico português, os poderes à disposição do monarca (Hans Adam II), foram até recentemente reforçados através de um referendo realizado em Março de 2003 e seriam, muito provavelmente, considerados como perfeitamente inaceitáveis por todas as outras monarquias constitucionais do continente. Mais impressionante ainda: só desde 1984 é que foi concedido o direito irrestrito de voto às mulheres…
* Como Kiribati, arquipélago do Pacífico (105.000 habitantes e 726 Km2), as Seychelles, arquipélago do Indico (81.000 e 455 Km2), ou São Tomé e Príncipe, duas ilhas no Atlântico (157.000 e 964 Km2).
Provavelmente inspiraram-se no caso das guerras do principado para fazer o filme "O Rato que Ruge", em que Peter Sellers interpretava uma grã-duquesa de um micro-estado, o seu condestável e o primeiro-ministro.
ResponderEliminarNão conhecia o filme. Obrigado pela dica.
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