20 abril 2007

AS CABEÇAS

Há 23 anos a separar as datas das duas fotografias deste poste. Há ainda outros aspectos adicionais que as distinguem. As cabeças de cima foram cortadas a mando de líderes rebeldes (Holden Roberto da UPA, em 1961), mas as de baixo foram-no por instruções das autoridades governamentais (1938)! Os executados na fotografia superior são anónimos, mas os da inferior são relativamente conhecidos: trata-se de Lampião, Maria Bonita e o seu bando. Por fim, há um oceano de permeio entre os locais onde foi tirada a primeira fotografia (Angola) e a segunda (Brasil).

Mas não deixa de impressionar a semelhança existente entre elas. É que, se nenhuma cultura humana se pode vangloriar de estar isenta de expressões de violência, a forma como essa violência se expressa pode ser objecto de estudos antropológicos, na sua simbologia, por exemplo. E, pelo que se conhece da História e do tráfego negreiro que se desenvolveu entre Angola e o Brasil, o valor simbólico atribuído às cabeças dos inimigos que é expresso por estas fotografias, pode ser, muito provavelmente, algo mais do que uma mera coincidência*.
Estabelecer o paralelo não será uma hipótese politicamente correcta, tanto mais que existe uma certa ortodoxia de pensamento (felizmente a cair em desuso) que estabelece, por tese, que há uma espécie de cumplicidade tácita entre brasileiros e angolanos, como vítimas conjuntas do colonialismo dos portugueses. Haja ao menos uma certa receptividade à ideia que os portugueses ao imporem violentamente as suas concepções políticas e económicas às sociedades índias e africanas quando lá chegaram, estas não seriam propriamente os locais mais pacíficos na Terra…

* Como é conhecido, entre os índios norte-americanos, para dar um exemplo de uma expressão diferente, esse valor é atribuído ao couro cabeludo – o escalpe.

2 comentários:

  1. Não há “bons colonizadores”!
    Há alguns anos, discutindo o assunto com um amigo brasileiro que se queixava do “atraso” brasileiro, atribuível à colonização portuguesa,
    fiz-lhe notar que o problema não é exactamente a nacionalidade do colonizador. Como exemplo, a Namíbia não ganhou muito com a presença alemã; os Congos (francês e belga) estavam de rastos; a África do Sul, repartida entre holandeses e ingleses, também não era grande exemplo; o Zimbabué, idem, idem…
    À observação do meu amigo, que me fez reparar que estava a dar apenas exemplos de países africanos, respondi que só se podem comparar países situados, mais ou menos, à mesma latitude…
    A conversa acabou quando lhe disse que o Brasil só se podia queixar por não ter sido colonizado pelos nossos vizinhos do lado. Se tivessem tido a sorte de ter passado por lá um Pizarro, não seriam 120 milhões…

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  2. poste pretende abordar um assunto associado, mas completamente distinto do da nacionalidade dos colonizadores: as condições das sociedades existentes antes da sua chegada.

    A falta de registos históricos não pode esconder a agressividade de muitas dessas sociedades, o que é omitido em muitas descrições históricas quando são politicamente orientadas para serem condenatórias do colonialismo.

    Para as sociedades da Europa do Renascimento a cabeça do inimigo não tinha simbolismo, os criminosos eram executados por enforcamento, só a nobreza era executada por decapitação, num gesto de distinção (depois democratizado pela Revolução Francesa com a guilhotina…).

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