Será conveniente começar este poste por um mapa que mostre a localização da cidade que recebeu a afamada Conferência em Fevereiro de 1945, onde se considera que as grandes potências beligerantes aliadas, representadas ao mais alto nível por Roosevelt, Estaline e Churchill, decidiram como seria a organização da futura Europa que sairia da derrota próxima da Alemanha.
Localizada na península da Crimeia, e protegida do clima continental da Rússia por um maciço montanhoso, a cidade de Yalta só se havia tornado russa nos finais do século XVIII (1783), depois de um historial em que a cidade aceitara tradicionalmente a tutela da potência comercial que controlasse os fluxos do comércio no Mar Negro: os gregos, os romanos, os bizantinos, os genoveses e finalmente os turcos otomanos.
O aparecimento do turismo de luxo nos finais do século XIX transformou Yalta no equivalente russo das estâncias de Verão que as famílias reais, as famílias nobres e as famílias ricas europeias frequentavam durante o período estival. Indissociável de tal actividade foi a construção de imponentes casas de férias, à escala do poder associado ao mandante; no caso das casas reais tratava-se de verdadeiros palácios.
Com o período soviético assistiu-se a uma mudança substancial da composição das pessoas que frequentavam Yalta no Verão, embora não tivesse havido mudança alguma quanto às qualificações que faziam deles os novos frequentadores: tratava-se da elite do estado russo (agora soviético). Durante as ferias, Estaline alojava-se no Palácio Massandra, mandado construir em 1889 pelo czar Alexandre III.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Yalta, com quase todo o resto da Crimeia, foi conquistada pelos alemães em Setembro de 1941, uns escassos três meses depois do começo da invasão à União Soviética., para só vir a ser reconquistada pelo Exército Vermelho em Abril de 1944. Numa e noutra ocasião os que retiravam preocuparam-se em deixar o menos possível à disposição dos conquistadores.
Foi neste local que tivera uma reputação aprazível mas onde o menor traço de conforto havia sido destruído ou saqueado que Estaline (porque tinha um medo pânico de voar, o georgiano só acordava encontrar-se em locais que fossem acessíveis por caminho de ferro desde Moscovo: Teerão, Yalta, Potsdam…) concordou em encontrar-se com os seus homólogos anglo-saxónicos.
Para estes últimos e as respectivas comitivas, a viagem foi uma chatice monumental, porque, a acrescer ao incómodo habitual, os aeródromos designados pelos russos como seguros e capazes de albergar os vários C-54 e Avro York quadrimotores* e C-47 bimotores* das comitivas, ficavam a 200 Km de Yalta, aonde só se chegava através de uma estrada de montanha sinuosa que demorou seis horas a percorrer de carro...
É fácil de imaginar como Churchill, tradicionalmente conhecido pela sua predisposição para se submeter a riscos mas não a incómodos, deve ter chegado de mau humor, a que a visão do local de alojamento não deve ter servido para alegrar. O Palácio Vorontzov, datado de 1848 e a 17 Km de Yalta, ia buscar o nome a um governador-geral da Crimeia daquela época. O problema é que era pitoresco mas não era grande e fora completamente saqueado…
A comitiva britânica era composta por três marechais, dois almirantes, dezenas de generais e coronéis, além de outras dezenas de funcionários superiores do Foreign Office**. Em grupos de meia dúzia, ou pouco menos, ainda foi possível alojar ali as patentes mais elevadas da comitiva mas o resto teve que ficar num dos sanatórios (contra a tuberculose) da região, muito mais moderno, construído já no período soviético.
O problema particular deste sanatório, onde generais, coronéis e altos funcionários se instalaram em generosas camaratas, aos 20 em cada uma, era a falta de planificação socialista das instalações sanitárias (havia um lavatório por camarata...), o que obrigou à requisição de bacias suplementares para que o generalato britânico se pudesse apresentar devidamente escanhoado pela manhã, às mesas da Conferência…
Mas não se pense que os norte-americanos estavam muito melhor instalados. O Palácio Livadia (mais acima), onde tiveram lugar as sessões mais importantes, originalmente pertencera a uma família nobre polaca mas fora comprado depois pela casa reinante em 1860, onde Nicolau II, o último czar, lhe mandara fazer obras de ampliação em 1911. Mesmo assim, os generais eram oito por cada quarto e os coronéis, eram dezasseis...
Mas a grande verdade por detrás destas histórias é que os russos deram o seu melhor para montar esta logística com que os aliados gozavam, de tão espartana. Tudo teve que vir de fora, inclusive o pessoal encarregado dos serviços de hotelaria, requisitado de surpresa sem mais explicações a dois hoteis moscovitas, numa época em que acontecimentos idênticos acabavam na Sibéria, num dos hotéis do arquipélago Gulag.
Os requisitados devem ter sentido um enorme alívio ao verem-se em Fevereiro, em paragens quentes, na Crimeia!... Pior, mas apenas um detalhe, foi a descoberta de um stock de botins de salto alto, requinte impossível de descobrir em países em guerra (milagres de país socialista!…), a que as empregadas não tiveram tempo de se conseguirem habituar, protagonizando grandes espalhanços, para preocupação dos convidados…
Todos estes milagres, que só podem ser atribuíveis à intervenção de Lavrentiy Beria, o dirigente do NKVD que estaria provavelmente a cumprir as ordens de Estaline (supõe-se que mais de 50 comboios foram desviados do esforço de guerra para levar tudo o que era necessário de Moscovo para a Crimeia), eram também patentes na forma como os desejos dos convidados estrangeiros eram escutados e resolvidos de imediato.
Numa das vezes, foi o Marechal do Ar Charles Portal***, que reparou que não havia peixinhos vermelhos nos lagos dos jardins que rodeavam o palácio. Os peixes logo apareceram no dia seguinte… Noutra ocasião, um dos britânicos notou a falta de casca de limão para adicionar aos cocktails. O problema resolveu-se pelo aparecimento súbito, durante a noite, de um limoeiro entre as árvores do jardim do palácio…
Agora quanto à história da Conferência? Isso é outra História…
* Aquela é a designação militar dos aparelhos empregue na altura. A sua designação civil é mais conhecida: trata-se do DC-4 (C-54) e do DC-3 (C-47).
** Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico.
*** Nesta última fotografia, é ele que aparece por detrás de Churchill, falando com o almirante Andrew Cunningham, mostrando-se relutante em assumir a careca.
Localizada na península da Crimeia, e protegida do clima continental da Rússia por um maciço montanhoso, a cidade de Yalta só se havia tornado russa nos finais do século XVIII (1783), depois de um historial em que a cidade aceitara tradicionalmente a tutela da potência comercial que controlasse os fluxos do comércio no Mar Negro: os gregos, os romanos, os bizantinos, os genoveses e finalmente os turcos otomanos.
O aparecimento do turismo de luxo nos finais do século XIX transformou Yalta no equivalente russo das estâncias de Verão que as famílias reais, as famílias nobres e as famílias ricas europeias frequentavam durante o período estival. Indissociável de tal actividade foi a construção de imponentes casas de férias, à escala do poder associado ao mandante; no caso das casas reais tratava-se de verdadeiros palácios.
Com o período soviético assistiu-se a uma mudança substancial da composição das pessoas que frequentavam Yalta no Verão, embora não tivesse havido mudança alguma quanto às qualificações que faziam deles os novos frequentadores: tratava-se da elite do estado russo (agora soviético). Durante as ferias, Estaline alojava-se no Palácio Massandra, mandado construir em 1889 pelo czar Alexandre III.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Yalta, com quase todo o resto da Crimeia, foi conquistada pelos alemães em Setembro de 1941, uns escassos três meses depois do começo da invasão à União Soviética., para só vir a ser reconquistada pelo Exército Vermelho em Abril de 1944. Numa e noutra ocasião os que retiravam preocuparam-se em deixar o menos possível à disposição dos conquistadores.
Foi neste local que tivera uma reputação aprazível mas onde o menor traço de conforto havia sido destruído ou saqueado que Estaline (porque tinha um medo pânico de voar, o georgiano só acordava encontrar-se em locais que fossem acessíveis por caminho de ferro desde Moscovo: Teerão, Yalta, Potsdam…) concordou em encontrar-se com os seus homólogos anglo-saxónicos.
Para estes últimos e as respectivas comitivas, a viagem foi uma chatice monumental, porque, a acrescer ao incómodo habitual, os aeródromos designados pelos russos como seguros e capazes de albergar os vários C-54 e Avro York quadrimotores* e C-47 bimotores* das comitivas, ficavam a 200 Km de Yalta, aonde só se chegava através de uma estrada de montanha sinuosa que demorou seis horas a percorrer de carro...
É fácil de imaginar como Churchill, tradicionalmente conhecido pela sua predisposição para se submeter a riscos mas não a incómodos, deve ter chegado de mau humor, a que a visão do local de alojamento não deve ter servido para alegrar. O Palácio Vorontzov, datado de 1848 e a 17 Km de Yalta, ia buscar o nome a um governador-geral da Crimeia daquela época. O problema é que era pitoresco mas não era grande e fora completamente saqueado…
A comitiva britânica era composta por três marechais, dois almirantes, dezenas de generais e coronéis, além de outras dezenas de funcionários superiores do Foreign Office**. Em grupos de meia dúzia, ou pouco menos, ainda foi possível alojar ali as patentes mais elevadas da comitiva mas o resto teve que ficar num dos sanatórios (contra a tuberculose) da região, muito mais moderno, construído já no período soviético.
O problema particular deste sanatório, onde generais, coronéis e altos funcionários se instalaram em generosas camaratas, aos 20 em cada uma, era a falta de planificação socialista das instalações sanitárias (havia um lavatório por camarata...), o que obrigou à requisição de bacias suplementares para que o generalato britânico se pudesse apresentar devidamente escanhoado pela manhã, às mesas da Conferência…
Mas não se pense que os norte-americanos estavam muito melhor instalados. O Palácio Livadia (mais acima), onde tiveram lugar as sessões mais importantes, originalmente pertencera a uma família nobre polaca mas fora comprado depois pela casa reinante em 1860, onde Nicolau II, o último czar, lhe mandara fazer obras de ampliação em 1911. Mesmo assim, os generais eram oito por cada quarto e os coronéis, eram dezasseis...
Mas a grande verdade por detrás destas histórias é que os russos deram o seu melhor para montar esta logística com que os aliados gozavam, de tão espartana. Tudo teve que vir de fora, inclusive o pessoal encarregado dos serviços de hotelaria, requisitado de surpresa sem mais explicações a dois hoteis moscovitas, numa época em que acontecimentos idênticos acabavam na Sibéria, num dos hotéis do arquipélago Gulag.
Os requisitados devem ter sentido um enorme alívio ao verem-se em Fevereiro, em paragens quentes, na Crimeia!... Pior, mas apenas um detalhe, foi a descoberta de um stock de botins de salto alto, requinte impossível de descobrir em países em guerra (milagres de país socialista!…), a que as empregadas não tiveram tempo de se conseguirem habituar, protagonizando grandes espalhanços, para preocupação dos convidados…
Todos estes milagres, que só podem ser atribuíveis à intervenção de Lavrentiy Beria, o dirigente do NKVD que estaria provavelmente a cumprir as ordens de Estaline (supõe-se que mais de 50 comboios foram desviados do esforço de guerra para levar tudo o que era necessário de Moscovo para a Crimeia), eram também patentes na forma como os desejos dos convidados estrangeiros eram escutados e resolvidos de imediato.
Numa das vezes, foi o Marechal do Ar Charles Portal***, que reparou que não havia peixinhos vermelhos nos lagos dos jardins que rodeavam o palácio. Os peixes logo apareceram no dia seguinte… Noutra ocasião, um dos britânicos notou a falta de casca de limão para adicionar aos cocktails. O problema resolveu-se pelo aparecimento súbito, durante a noite, de um limoeiro entre as árvores do jardim do palácio…
Agora quanto à história da Conferência? Isso é outra História…
* Aquela é a designação militar dos aparelhos empregue na altura. A sua designação civil é mais conhecida: trata-se do DC-4 (C-54) e do DC-3 (C-47).
** Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico.
*** Nesta última fotografia, é ele que aparece por detrás de Churchill, falando com o almirante Andrew Cunningham, mostrando-se relutante em assumir a careca.
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