29 dezembro 2009

ROBERT NIVELLE

A Vitória é sempre o maior bálsamo para tudo aquilo que correu mal durante uma guerra e a que foi conquistada pelos Aliados no final da Primeira Guerra Mundial não foi excepção a essa regra. Antes pelo contrário. O desfile dos soldados na grande Parada da Vitória que teve lugar em Paris em 14 de Julho de 1919 (acima) foi também ocasião para a acompanhar de uma generosa distribuição de títulos e condecorações por todas as altas patentes militares dos países vencedores, incluindo reciprocidades(*) e até envolvendo aqueles generais que as circunstâncias da guerra haviam afastado dos seus postos em desgraça, agora subitamente reabilitados, como o Marechal Joseph Joffre.
Mas, mesmo muito antes dos historiadores se terem posto a avaliar com muito mais sobriedade e distanciamento qual havia sido o desempenho dos generais durante aquele conflito, de onde em geral retiraram conclusões que não justificariam de todo aquelas demonstrações efusivas de auto-congratulação (acima), houve logo então uma grande excepção àquele ambiente, alguém que foi nitidamente ostracizado tanto pelos seus pares como pela máquina da propaganda que então cantava a vitória, o General Robert Georges Nivelle (1856-1924), que fora o Comandante-Chefe do Exército francês durante cinco meses que vão de Dezembro de 1916 a Maio de 1917.
Durante décadas a fio, as que se seguiram ao fim da Grande Guerra, as ilustrações que acompanhavam as Histórias do conflito nunca mostraram qualquer fotografia daquele Comandante-Chefe do Exército (acima), ao contrário do que costumava acontecer com os outros comandantes militares franceses, como eram os casos do antecessor (Joffre), do sucessor (Pétain) e do generalíssimo dos exércitos aliados da frente ocidental em 1918 (Foch). Que fizera Nivelle para não merecer a protecção de tão corporativo clã? Para responder a essa, há que formular uma outra pergunta que, pertinente em 1914-18, hoje nos parecerá absurda: quem é que dirige uma guerra, os militares ou os políticos?
Por assim dizer, a doutrina dividia-se… Entre os militares entendia-se que, em situação de guerra, as relações de poder se deviam alterar. Desde a capacidade que se outorgaram de nomear funcionários, como administradores autárquicos e mesmo juízes, essas competências assumiram por vezes aspectos caricaturais. Para falar do exemplo francês, que é o que agora nos interessa, quando o Presidente da República Raymond Poincaré quis visitar as áreas da Alsácia reconquistadas com o General Joffre foi impedido de o fazer e o Presidente do Conselho Viviani, anunciou aos ministros que só pela florista tinha descoberto que o Quartel-General do mesmo Joffre se mudara de Chantilly (abaixo)…
Mas isto são incidentes do princípio da Guerra e, a prazo, com as suas costumeiras manobras, os políticos conseguiram retomar a iniciativa de se apropriar da condução da guerra. Uma das pessoas instrumentais para que essa recuperação tivesse tido lugar foi precisamente Robert Nivelle. Nivelle era um oficial de artilharia da mesma idade de Philippe Pétain, embora mais moderno que ele, que se distinguiu sob o seu comando durante a Batalha de Verdun (Fevereiro a Dezembro de 1916). Tão ambiciosos um quanto outro, Nivelle chamou a atenção sobre si com proclamações grandiosas (a frase original Não Passarão! é da sua autoria) e com pretensas inovações tácticas.
Tudo isso, boa imprensa e uma relação muito mais cordial com o poder político fizeram com que Robert Nivelle viesse a ser nomeado Comandante-Chefe do exército em Dezembro de 1916, substituindo o desgastadíssimo Joseph Joffre, mas passando por cima de uma dúzia de generais mais antigos. Acrescia um outro factor positivo à sua nomeação: nascido de mãe inglesa, Nivelle era bilingue, característica que naturalmente facilitaria as suas relações pessoais tanto com os comandos militares como com o poder civil britânicos. O Primeiro-Ministro David Lloyd George, que mal falava francês, apreciava-o muito por isso. As antipatias que gerara por causa da sua traição eram francesas…
Nivelle ganhara o cargo com um discurso político: a promessa de que aplicando as inovações tácticas com o emprego da artilharia que o haviam distinguido em Verdun se produziria a ambicionada ruptura da frente que levaria à vitória. O plano que concebeu (e que publicitou, talvez demais…) previa duas ofensivas prévias, uma desencadeada pelos franceses (a azul, no mapa abaixo), outra pelos britânicos (a vermelho), antes da grande ofensiva, a tal que iria provocar a ruptura da frente, tendo a cidade francesa de Guise como objectivo (seta cor de laranja). Se os alemães não colaboraram com os planos de Nivelle, desta vez fizeram-no de uma forma que este não estava à espera…
Entre 16 e 20 de Março de 1917 fizeram uma retirada táctica para uma nova linha de trincheiras que haviam preparado na retaguarda, destruindo na retirada tudo aquilo que pudesse ajudar os Aliados na área que no mapa aparece assinalada em amarelo: as pontes, as estradas, as ferrovias, etc. Os alemães cediam território que não era deles e, ao encurtar a extensão da frente, poupavam tropas para outras finalidades. Mas, do outro lado, o plano de Nivelle deixava de fazer sentido. O problema é que se mantinha sobre ele a pressão política para que houvesse um calendário para uma ofensiva que provocasse a famosa ruptura. Foi marcado para o Chemin des Dames (setas a verde) dali a um mês…
A Ofensiva Nivelle foi mais um fiasco, dos inúmeros com que contou a Primeira Guerra Mundial. Paradoxalmente, houve uma das maiores progressões territoriais em batalhas similares naquela guerra (cerca de 7 km), mas nunca se produziu a famosa e prometida ruptura na frente alemã, a antecâmara da vitória. Em princípios de Maio registavam-se os primeiros casos de insubordinação nas unidades combatentes e parecia que o exército francês corria o risco de perder todo o seu potencial combativo. Em 9 de Maio Nivelle estava sozinho entre os políticos e os militares que lhe pediam responsabilidades pelo sucedido e o demitiram. Para a História, a instituição a que pertencia preferiu esquecer-se dele…
(*) O país A condecora os generais do país B e este faz o mesmo aos generais do país A.

2 comentários:

  1. bela instalação,aquela do QG do Joffre em Chantilly...estou sempre
    a aprender...
    aproveito para colocar uma questão-
    aquele Chantilly tem algo a ver com
    o creme do mesmo nome?curiosidade,
    apenas...nem posso comer tal
    guloseima...

    Abraço

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  2. Tem Paulo, que o creme que ficou com o nome foi criado por um famoso cozinheiro chamado François Vatel (de seu nome verdadeiro Fritz Karl Watel) no Século XVII quando trabalhava naquele palácio ao serviço do Princípe de Condé.

    Reza a tradição que Vatel (que emprestou o seu nome a um sal culinário dos nossos dias) se suicidou num dia em que o peixe (que vinha de Bolonha, a mais de 200 km dali!) não se mostrava à altura da sua reputação culinária - e que contraste com o famoso peixeiro gaulês Ordralfabétix!...

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