Já aqui evoquei Michel Vaillant, um herói da BD franco-belga, pelo qual já expliquei que a minha estima é mais sentimental do que a que resulta da minha apreciação da qualidade do trabalho do autor, Jean Graton. E, contudo, há uma prancha de uma das suas histórias que considero memorável – e não me estou a lembrar de mais nenhuma idêntica... Pertence ao álbum Concerto para Pilotos, história que foi publicada originalmente em 1966, mas cuja edição portuguesa só veio a ser editada pela Bertrand em 1977 (abaixo).
Ora em 1977 os debates políticos em Portugal ainda estavam tão aguerridos quanto… condicionados. Por exemplo, uma prática, para a qual eu nunca me apercebi a origem, era que as acusações mais contundentes ao PCP, nomeadamente as evidentes, a de que se tratava de um partido não-democrático, nunca o mencionavam explicitamente, sendo substituído pela expressão perifrástica determinado partido político… Interessantes também, eram os métodos adoptados pelos seus membros para contra-argumentar.
Foi neste ambiente político que acabei de descrever que achei curiosíssimo encontrar na altura, num álbum de Michel Vaillant, uma rábula em que uma das personagens se comportava como um comunista, distorcendo a verdade de uma forma descarada: um piloto americano que, ao beber uma taça de champanhe francês, fazia um comentário provocatório, considerando-o uma excelente imitação do americano… Nestes casos, nunca se sabe o que provoca o comentário: a ignorância ou a habilidade argumentativa?
Ora em 1977 os debates políticos em Portugal ainda estavam tão aguerridos quanto… condicionados. Por exemplo, uma prática, para a qual eu nunca me apercebi a origem, era que as acusações mais contundentes ao PCP, nomeadamente as evidentes, a de que se tratava de um partido não-democrático, nunca o mencionavam explicitamente, sendo substituído pela expressão perifrástica determinado partido político… Interessantes também, eram os métodos adoptados pelos seus membros para contra-argumentar.
Foi neste ambiente político que acabei de descrever que achei curiosíssimo encontrar na altura, num álbum de Michel Vaillant, uma rábula em que uma das personagens se comportava como um comunista, distorcendo a verdade de uma forma descarada: um piloto americano que, ao beber uma taça de champanhe francês, fazia um comentário provocatório, considerando-o uma excelente imitação do americano… Nestes casos, nunca se sabe o que provoca o comentário: a ignorância ou a habilidade argumentativa?
Seja qual fosse a causa, na verdade podiam-se reconhecer os comunistas pelo estilo das respostas, qual argumentário de um vendedor de automóveis, que só está preparado para falar das vantagens dos modelos no stand. Por exemplo, nunca respondiam a qualquer pergunta directa inconveniente que se lhes colocasse, e será apenas uma mostra da decadência dos quadros comunistas que recentemente Margarida Botelho fosse apanhada a ter de responder a uma num programa televisivo: considerava Cuba uma democracia…
Naquelas circunstâncias, na impossibilidade de se evadir de todo à pergunta inconveniente, um comunista experimentado doutros tempos faria a conversa percorrer uma espécie de parábola à volta do tema perguntado (ver a figura geométrica abaixo) afastando-se para outro tema distinto(*). Por exemplo, perguntas embaraçosamente frontais, como as sobre o genocídio cometido por Estaline, seriam respondidas com a condenação geral dos crimes contra a humanidade, como os dos nazis, mudando daí a conversa para o genocidio dos nazis...
Também se podia mentir descaradamente, alegando ignorância, embora naqueles anos, alegar desconhecer esses trechos da história como o fez recentemente, noutra prova de decadência, a jovem deputada comunista Rita Rato, fosse coisa inadmissível, sinónimo de falta de preparação política. Mas podia-se mentir e suportar o ridículo de invocar a ignorância nos casos mais desesperados, como aconteceu com a invasão soviética do Afeganistão em 1979, até se conseguir explicar que há invasões que afinal não eram imperialistas…
Enfim, antes como agora, sempre levei estas contradições argumentativas de forma ligeira – com (sic) alguma ligeireza moral, diria o meu amigo António Marques Pinto. O que nunca gostei foi que os comunistas se propusessem (e, às vezes, ainda se propõem), a meio do seu discurso, dar-nos lições de moral quando não as pedimos... É que A Superioridade Moral dos Comunistas (abaixo) funciona apenas um daqueles livrinhos de catecismo, para ser lido na catequese por convertidos e pré-convertidos. Para os que não crêem, nada daquilo existe...
(*) Notem-se aliás os comentários ao meu poste a esse respeito que foram feitos por um comunista veterano e que pretendem precisamente chamar a atenção para outro tema e outro protagonista do programa…
Tem piada a escolha de Jean Graton para este post. A primeira publicação do Grande Desafio foi no Cavaleiro Andante onde o Michel Vaillant se chamava Miguel Gusmão filho de um emigrante português com sucesso em França onde tinha começado com uma empresa de camionagem, transformando-se depois, num construtor de automóveis de renome mundial. Esta “tradução” dos heróis de BD era prática corrente do antes do 25.
ResponderEliminarSe gosta da prancha do Concerto para Pilotos sugiro que dê uma vista de olhos na prancha inicial do Rally em Portugal que é uma vista esplendorosa de Lisboa ainda com os velhinhos Caravelle da TAP
Chego a pensar que é mais fácil os Castros de Cuba tornarem-se democratas do que o António Teixeira e o Victor Dias falarem com isenção acerca “dos comunistas”, manifestos que são os incondicionais ódios de um e amores de outro.
ResponderEliminarO Victor, apesar de tudo, assume que não é isento, que a sua intervenção em O Tempo das Cerejas é uma forma “de combate político”. Além de que joga mais na omissão do que na distorção.
Eu conheço a obra de Jean Graton, tiomanuel.
ResponderEliminarOlhe que a sua invocação de Vítor Dias, António Marques Pinto, me fez lembrar aquele último nome do poema Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade:
ResponderEliminarJoão amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Claro que a liberdade poética que Carlos Drummond de Andrade tomou para adicionar J. Pinto Fernandes ao seu poema, apesar de não ter entrado na história, também servirá perfeitamente para António Marques Pinto adicionar Vítor Dias à sua resposta, apesar de ele nunca ter entrado na conversa. Afinal, Quadrilha é um dos poemas mais conhecidos de Drummond de Andrade…
Agora quanto à sua opinião principal, lamento desapontá-lo, mas não só eu não odeio os comunistas, como estou fortemente convencido que o Vítor Dias não os amará (porque será da natureza humana que tenha havido camaradas dele com os quais se cruzou no curso da sua vida política de que ele não terá gostado), como tenho a certeza absoluta que o António Marques Pinto não representará o lugar geométrico de equilíbrio em que se possa permitir julgar-nos aos dois. E quanto à isenção de que fala, é um conceito que tem tanto de abstracto quanto de subjectivo.
Mas posso-lhe dizer o conceito em que tenho quanto à honestidade intelectual aqueles milhares de comunistas e ex-comunistas que sabiam por experiência directa como eram deploráveis as condições em que se vivia nas tais “maravilhosas” sociedades socialistas (não era em vão que os iniciados que iam viver para lá eram submetidos a uma explicação preparatória…) e só admitiram que mentiam quando abandonaram a militância do partido ou quando os regimes caíram em 1989...
Agora que o António Teixeira se refere a «aqueles milhares de comunistas e ex-comunistas que sabiam por experiência directa como eram deploráveis as condições em que se vivia...», já não tenho dúvidas em concordar nesta questão. Eu próprio, dentro do Partido denunciei a responsabilidade desses. A minha questão só se coloca quando caracteriza «os comunistas» e não «esses comunistas». Como deve saber, os conflitos internos ao PCP em torno destas questões não são do tempo de João Amaral, já existiam até entre os tarrafalistas. Tal como as denúncias dos erros e crimes no regime soviético não surgiram apenas com Gorbachov ou mesmo com Kruchov.
ResponderEliminarSe é defensável ou imperdoável estar num partido com o qual se tem discordâncias, seria assunto para outro post, pelo menos.
Eu bem sei que os conflitos internos ao PCP em torno dessas e doutras questões não são recentes. O problema bizarro e característico da organização a que pertenceu é que quem defendeu as teses vencidas se torna depois, na história oficial do partido, em (como direi?...) “figuras apagadas”. Para exemplo, imagine o António Marques Pinto que ainda há uns tempos fiquei na dúvida se o seu ex-camarada Vítor Dias saberia quem tinha sido Júlio Fogaça e qual fora a sua contribuição para os IV e V Congressos. Não me respondeu, mas precisamente por isso, por não me ter respondido, fiquei com a impressão que sabia… apesar de não ter encontrado referências a ele nos sites oficiais ligados ao PCP. Deve ter sido por ter procurado mal…
ResponderEliminarPelo empenhamento que o António Marques Pinto mostrou nesta última resposta, fiquei com a sensação que prefere que se abordem questões mais concretas do que ideológicas para que concordemos… ou não. Assim, de forma concreta, uma das suas frases recentes que registei e que classifico da mesma classe d´”o champanhe francês de imitação” foi: “…mas quem tolera um Mário Soares que se apoia na CIA contra o PCP…”
Parece-me elementar que, para respeitar uma justa redacção, deveria ter escrito “um PS que se apoia na CIA contra o PCP” ou então “um Mário Soares que se apoia na CIA contra Álvaro Cunhal”. De qualquer modo o António Marques Pinto deixou-nos sem saber em que é que “se apoia o PCP e Álvaro Cunhal”?... Não terá sido no KGB?.. Ou terá sido no GRU?.... Como escrevi recentemente, num poste que lhe poderá ter escapado (a 1 de Dezembro) e a propósito da “Medalha Lenine” e do famoso debate Cunhal-Soares de 1975, “olhe que não” foi Mário Soares que recebeu a título pessoal, as duas mais altas condecorações soviéticas…
Ou seja, o António Marques Pinto, além de pretender dar a impressão de que se trata de um conflito de uma pessoa (Mário Soares) contra toda uma organização (PCP), o que é mentira, coloca o ónus da colaboração com o estrangeiro (Estados Unidos, recorrendo à designação da agência de espionagem CIA) em Mário Soares, quando isso só passou a acontecer depois do 25 de Abril, pretendendo passar ao lado do facto das décadas de colaboração e dependência de Álvaro Cunhal e do PCP para com a União Soviética.
Há outros exemplos mas eu gostaria de concluir dizendo que não sei se isso será amor ou ódio aos comunistas, e a isenção, como disse acima, é um conceito que tem tanto de abstracto quanto de subjectivo, mas sinto aqui uma certa relação difícil com a capacidade de selecção do que é historicamente relevante…