29 de Outubro de 1918. Enquanto os acontecimentos se precipitavam entre os exércitos nas frentes de combate e entre os políticos nas capitais europeias, nos portos do norte da Alemanha e entre marinheiros, o Almirante Franz von Hipper, o herói alemão da Batalha da Jutlândia, dava ordens para que os 23 grandes navios da Frota de Alto Mar (Hochseeflotte) que comandava, se preparassem para levantar ferro. Nos conveses fervilhavam os boatos sobre as intenções do comando: a opinião de uns era que se preparava uma grande confrontação decisiva com a Royal Navy; outros, não desmentindo essa opinião, compunham a suposição com outra, a de que o mítico Almirante Tirpitz - ou mesmo até o próprio Kaiser em pessoa - se preparariam para comandar pessoalmente a Frota naquilo que seria um apropriado Götterdämmerung! A verdade era mais prosaica, o plano era o de travar uma última batalha naval, mas apenas para tentar melhorar a posição negocial da Alemanha perante uma derrota mais do que antecipada. Seria a salvação da Honra da Hochseeflotte que, desde a Batalha de Jutlândia de 1916, em nada mais contribuíra para o desfecho da Guerra. Mas isso era o que pensavam os oficiais. Nos conveses cá de baixo, pelo contrário, os marinheiros antecipavam que a missão poderia tornar-se num desastre pessoal para muitos deles e para mais, por uma causa que parecia perder sentido a cada dia que passava. E cada um dos grandes navios da Frota, com tripulações de mais de um milhar de homens com funções especializadas, eram locais propícios para o fervilhar de muitos boatos, uma grande fábrica navegante, propícia para a acção revolucionária...
Antes da alvorada de 29 de Outubro de 1918, muitos sinais de luzes clandestinos se trocaram entre as silhuetas negras dos couraçados e cruzadores de batalha ancorados na baía de Jade (Jadebusen). As tripulações, descontentes, procuravam informar-se do estado de espírito das suas congéneres dos outros navios, consultando-se quanto às intenções do comando e quanto às acções a adoptar para as contrariar. Quando o Almirante Hipper convocou os capitães dos navios para as 08H00 no seu navio almirante, o SMS Baden, em vários navios os marinheiros que deviam tripular as lanchas que transportariam o respectivo capitão não se apresentaram ao serviço. Tiveram que ser forçados. A meio da manhã (quando a partida da Frota estaria prevista para o meio-dia), os pequenos actos de resistência passiva haviam já dado lugar à amotinação assumida. No SMS Thüringen, no SMS Helgoland e no SMS Markgraf, os fogueiros ameaçaram apagar as caldeiras se os respectivos navios fossem para o mar. Hipper teve que se resignar a adiar a partida, usando o pretexto do nevoeiro, enquanto aguardava que a situação se acalmasse. Mas só piorou. Descobriu-se que vários fogueiros dos cruzadores SMS Derfflinger e do SMS Von der Tann se haviam esquecido de regressar a bordo. E, ao longo do dia, as tripulações de vários outros navios da Frota mostraram-se contaminadas: SMS Kaiserin, SMS Regensburg, SMS König ou SMS Kronprinz Wilhelm.
São momentos penosos de contar e que mancham o historial de qualquer marinha de guerra, a que no caso da Marinha Imperial Alemã (Kaiserliche Marine), acresce a reputação de disciplina e obediência que os próprios alemães gostam de associar a si próprios. Praticamente desconhecida, vale a pena acrescentar que esta situação de amotinação só piorou, apesar do compasso de espera de 24 horas dado por Hipper. Conte-se, apenas como exemplo, que, logo à alvorada do dia seguinte, a tripulação do SMS Thüringen se recusou a acatar de novo as ordens de levantar ferro, que os cabrestantes se avariou miraculosamente (o que impedia a manobra das âncoras) e que logo depois foi convocada uma reunião (ilegal) de marinheiros para um dos conveses inferiores do navio (nos tempos do nosso PREC designá-la-íamos por um plenário de marinheiros) onde seriam debatidas novas medidas de luta a adoptar. A escalada iria culminar com um enorme motim colectivo no porto de Kiel em 1 de Novembro. Mas essa é toda uma outra história...
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