06 junho 2019

A VÉSPERA DO DIA DA OPERAÇÃO OVERLORD

A propósito da data de hoje, dia do 75º aniversário dos desembarques da Normandia, permitam-me a transcrição de um esquema simplificado (mas, mesmo assim, particularmente extenso para o que costuma aparecer publicado num blogue) daquela que foi baptizada por Operação Neptuno, a fase preparatória do desembarque propriamente dito, a famosa Operação Overlord. As cinco zonas de desembarque que haviam sido escolhidas não eram nem adjacentes nem idênticas. Cada uma apresentava um problema particular e teve de ser objecto de um plano específico.

Começando pela situada mais a oriente, a que fora baptizada com o nome de código de Sword, ela estendia-se desde a embocadura do rio Orne até à pequena estância balnear de Lion-sur-Mer. A costa apresenta-se ali uniformemente plana e arenosa. A estrada costeira, a EN 814, estava ladeada de casas e vivendas contínuas que se concentravam nas pequenas aglomerações de Riva-Bella e de Ouistreham, que é também o término do canal marítimo oriundo de Caen. A forma envolvente da praia facilitava a concentração do fogo de artilharia sobre os navios de desembarque. É essa a razão por que se colocou ali um poderoso apoio naval, compreendendo nomeadamente o HMS Warspite, o HMS Ramillies ou o monitor HMS Roberts, encarregues de neutralizar as baterias alemães postadas em Villerville, Berville e Houlgate. Para guiar o desembarque da 3ª Divisão de Infantaria britânica e da 27ª Brigada Blindada que a acompanhava, havia-se enviado o submarino de bolso X-23, com dois tripulantes a bordo, postados sob as águas da foz do Orne. Devia emergir na manhã do desembarque e orientar os comboios navais. A importância especial de Sword advém da sua proximidade da cidade de Caen, que é considerada a porta de saída da Normandia em direcção a Paris. Por causa disso, a sua captura era de uma prioridade extrema.
Tarefa complicada mas que era suplementada por um assalto aerotransportado. Os protagonistas (estreantes) deste eram os homens da 6ª Divisão Aerotransportada britânica que eram comandados pelo general Richard Gale. A missão dos homens vindos do céu era a de ocuparem a margem direita do Orne para cobrirem o flanco esquerdo da invasão. As 3ª e 5ª Brigadas de Para-quedistas saltariam ou seriam depositadas em três dropping zones: V, perto de Varaville, K, perto de Touffréville e N, perto de Anfréville. O plano de operações consistia em conquistar de surpresa as pontes sobre o Orne e o canal marítimo em Bénouville e Rainville, fazer explodir as pontes sobre o Dives em Périers, Robehomme e Troarn e finalmente destruir a bateria alemã de Merville, postada na embocadura do Orne. A hora prevista para a chegada dos comboios aéreos trazendo os para-quedistas e as tropas dos planadores até às costas de França era a meia noite.
A zona denominada por Juno começa a oito quilómetros a oeste de Lion-sur-Mer (onde acaba Sword). A costa é precedida de baixios rochosos que tornam mais difícil realizar ali um desembarque com a maré totalmente vaza, facto que levou os planificadores a atrasarem ligeiramente a hora do desembarque em relação às outras praias. Um outro submarino de bolso, o X-20, esperava a chegada do comboio naval que trazia a 3ª Divisão Canadiana, cuja frente de desembarque se estendia de Saint-Aubin até Corseulles-sur-Mer. A missão dos canadianos durante o primeiro dia seria a de progredir para o interior, cortando a estrada (EN 13) que ligava Bayeux a Caen e, sobretudo, capturar a base aérea desta última cidade, Carpiquet.
Na zona Gold, as unidades protagonistas seriam a 50ª Divisão de Infantaria britânica e a 8ª Brigada Blindada. A sua área de desembarque estendia-se da localidade de La Riviére até à de Le Hamel. A costa é muito menos povoada e hospitaleira do que em redor de Riva-Bella. Por detrás das praias estendem-se pântanos que a EN 814 costeira contorna. O plano previa que as tropas desembarcadas se expandiriam para Oeste, com o objectivo de conquistarem Arromanches-les-Bains, onde estaria previsto construir um dos portos artificiais Mulberry. Simultaneamente, uma outra ala do ataque iria procurar capturar a vila da Bayeux.
Depois, prosseguindo a descrição, há vinte e cinco quilómetros a separar a mais ocidental das praias britânicas da mais oriental das duas praias americanas. A geologia da costa muda e os problemas do desembarque e do pós-desembarque também.
Omaha estende-se de Port-en-Bessin até a ponta de Percée. A praia está espartilhada dos dois lados por falésias com uma trintena de metros de altura. Diante de quem irá desembarcar, apresenta-se uma espessa colina de dunas que algumas pistas arenosas rasgam, conduzindo a pequenas povoações como Grand-Hameau, Colleville-sur-Mer, Saint-Laurent-sur-Mer e Vierville-sur-Mer. A estes caminhos, sulcos profundos no relevo, os documentos de preparação do Estado Maior deram o nome (bem americano) de draws. Mas eles são os únicos eixos possíveis de progressão para o interior para as tropas da 1ª Divisão de Infantaria (The Big Red One). Mais para o interior, o terreno continua a mostrar-se desfavorável para as operações de um exército que aposta muito na sua mecanização. Aquilo que haviam sido as planícies que rodeavam Caen, mudam aqui o aspecto para um arvoredo formado por campos de macieiras, cortado por caminhos fundos, compartimentado numa profusão de parcelas muradas por elevações de terra a mais das vezes encimadas por sebes espessas - o bocage normando. A este dédalo, que favorece naturalmente quem tiver de defender, acrescenta-se um fosso, o formado pelo rio Aure que, desde Bayeux, corre paralelo à costa. Naturalmente pantanoso, e ainda por cima inundado propositadamente pelos alemães, o seu vale é intransponível entre a povoação de Trévières e a pequena vila de Isigny. A planificação previa que as duas localidades seriam atingidas ainda na noite do dia do desembarque. Contornando Trévières ultrapassar-se-ia a região inundada, contornando Isigny do outro lado, atingir-se-ia a foz do rio Vire e aí seria o local da junção com o resto dos americanos.
A ponta de Hoc era para ser objecto de um tratamento especial. A bateria erguida sobre esta alta falésia triangular era considerada «a mais perigosa de toda a Mancha». As sua seis peças de 155 mm, com um alcance de 22 quilómetros, poderiam manter debaixo de fogo não apenas Omaha Beach mas também, já na costa do Contentin, Utah Beach. Por consequência ir-lhe-ão ser reservados o poder de fogo dos obuses de 14 polegadas (356 mm) do USS Texas, que irá ser complementado por um assalto, por escalada, de um destacamento de Rangers comandado pelo tenente-coronel James Earl Rudder. À hora H, os homens desembarcarão no sopé da ponta do Hoc, exposto pela maré baixa. Um canhão lança amarras engatará escadas às paredes verticais da falésia e, a essa reencenação moderna de um assalto medieval a um castelo, não faltarão duas escadas magirus, emprestadas pelos bombeiros de Londres. Os ensaios executados nas falésias da ilha de Wight mostraram que o exercício é possível... mas não é possível antecipar a reacção de um inimigo que dispõe de muito mais meios de resposta do que o tradicional azeite a ferver.
Quanto a Utah Beach, a praia de desembarque mais ocidental, ela ganhou, na classificação de Eisenhower (que, comandando a invasão, as conhecia a todas), o pior qualificativo de todas as cinco: «miserável». É larga, mas lodosa e bloqueada por uma cintura de pântanos que só são transponíveis por estreitos aterros que a conectam a pequenos lugares espalhados ao longo de uma estrada ainda mais secundária que as outras, a Estrada departamental 14. Quatro dos aterros foram seleccionados como as saídas nevrálgicas e baptizados saídas nº 1, 2, 3 e 4. Mas é apenas o início do problema. Segue-se o pequeno planalto onde se situa Sainte-Mère-Eglise e para além dele estão dois pequenos rios, o Douve e o Merderet, tão esponjosos e inoportunos na localização quanto o Aure por detrás de Omaha, para aquele mesmo exército motorizado que ia procurar apoderar-se do resto da península do Contentin - com o porto de Cherburgo.
A grande operação aerotransportada americana que foi concebida para este flanco do desembarque, vai ter por objectivo obviar às dificuldades acima apresentadas. Irá envolver duas divisões, 13.200 pára-quedistas, 822 aparelhos de transporte e reboque e ainda 900 planadores.
Aos estreantes da 101ª Divisão Aerotransportada, do general Maxwell Taylor, competirá tomar as saídas oriundas de Utah, para que a 4ª Divisão de Infantaria, que irá desembarcar na praia, não se arrisque a ser detida em estradas tão estreitas que um punhado de defensores e de armamento conseguiria barrar. Aos veteranos da 82ª Divisão Aerotransportada, do general Matthew Ridgway, competirá instalar-se no planalto de Sainte-Mère-Eglise e, além disso, adquirir uma testa de ponte para lá dos dois rios, Douve e Merderet.
Para os páras americanos, a hora H é, como para os seus colegas britânicos, a meia noite. Abordarão a península do Contentin não pelo leste, mas pelo oeste, como se a esquadra aérea tivesse partido para a Bretanha e a meio do Canal da Mancha tivessem mudado de opinião. Neste flanco, é tudo a dobrar: as dropping zones são seis, quatro a leste e duas a oeste do Merderet. Cada uma delas tem uma configuração oval, com uma milha (1.600 metros) de comprimento por 460 metros. Precedendo em 20 minutos o grosso das tropas, os batedores terão por missão balizá-las com as suas lanternas de bolso, para orientação dos pilotos. Às 00H15 de dia 6 de Junho de 1944, esses primeiros pathfinders da 101ª Divisão começam a saltar, e a Operação Overlord não tardará a ofuscar a Operação Neptuno.

(O presente texto é uma adaptação das páginas 161-163 do 3º Volume de A Segunda Mundial de Raymond Cartier)
Em relação ao anterior, este outro mapa mostra os resultados alcançados ao fim do dia de 6 de Junho. O desembarque foi um sucesso mas quase todos os objectivos definidos pela Operação Neptuno não foram alcançados.

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