Haverá profundas ressonâncias da Antiguidade Clássica quando se baptiza uma Operação de Nó Górdio que não existem quando se escolhe para outra o nome de Toranja (Grapefruit para os seus participantes zimbabweanos). E haverá uma ressonância épica da História moçambicana ao baptizarem-se as bases com os nomes de Gungunhana, Moçambique e Nampula que parece ausente no nome, quase risível, de Casa Banana. Mas, apesar de tudo, poder-se-ão encontrar semelhanças várias entre as duas operações, ambas executadas em Moçambique, num quadro táctico muito semelhante, embora separadas por quinze anos, período durante o qual a evolução da História havia feito com que o protagonista comum às duas operações – as forças armadas da FRELIMO – tivesse trocado de papel. Em Julho/Agosto de 1970, foi o Exército português a desencadear a Operação Nó Górdio no norte de Moçambique (veja-se o mapa acima), concentrando mais de 8.000 efectivos e um conjunto de meios aéreos, de armamento pesado e de unidades de combate que nunca fora reunido até então para, numa manobra concêntrica, cercar e posteriormente atacar e capturar as três principais bases da FRELIMO na província de Cabo Delgado, junto à fronteira com a Tanzânia, onde estariam estacionados cerca de 2.000 a 2.500 guerrilheiros, o grosso das suas forças combatentes. A Operação foi considerada à época um sucesso pelos portugueses: as três bases conquistadas, o inimigo em fuga sofrendo 650 mortos, 40 toneladas de armamento capturado, etc. Mas num livro escrito mais de 30 anos depois pelo coronel Matos Gomes (abaixo), a avaliação é muito mais circunspecta: as consequências da Operação Nó Górdio são avaliadas a médio prazo e são comparadas ao efeito de uma pedrada no vespeiro (sic): sob pressão em Cabo Delgado, a actividade militar da FRELIMO veio a transferir-se para as províncias do centro, nomeadamente a de Tete, onde se estava a construir a gigantesca barragem hidroeléctrica de Cahora Bassa, esse sim, um objectivo económico relevante. A realização da Operação Nó Górdio acabou por facilitar-lhe a manobra, permitindo que a FRELIMO alargasse o seu campo de acção e, principalmente, escolhesse o momento e o local onde iria travar o combate decisivo.
Em Agosto/Setembro de 1985, quando da Operação Toranja, os protagonistas estratégicos haviam-se invertido. Portugal abandonara as suas pretensões coloniais sobre Moçambique em 1975. A FRELIMO assumira o poder e as suas forças armadas passaram com isso a desempenhar o papel que havia sido o dos portugueses. A subversão era agora protagonizada pela RENAMO que centrara a sua actividade nas províncias do centro, em Manica e Sofala, e que se acolitava nas regiões circundantes do Parque Natural da Gorongosa. Era daí que se conseguia bloquear a rede de distribuição eléctrica da energia produzida por essa mesma barragem de Cahora Bassa já mencionada acima. Para desbloquear politicamente a situação, Moçambique assinara em 1984 um Acordo com a África do Sul em que esta se comprometia a abandonar o apoio logístico aos rebeldes moçambicanos. A sua base situada em Casa Banana era um desafio à autoridade central equivalente ao das três bases da FRELIMO 15 anos antes: até possuía uma pista de aviação! O complexo de bases que a rodeava estaria guarnecido com uns 1.400 a 1.600 guerrilheiros, e contra ele constituiu-se um agrupamento táctico calculado entre 8.000 a 10.000 efectivos, composto por tropas tanto do Zimbabué como de Moçambique. A manobra de cerco e captura dos redutos da RENAMO, protagonizada sobretudo pelos primeiros, era muito semelhante à efectuada pelos portugueses, o que diferiria seria a doutrina e os meios, neste caso fortemente influenciados pelos países de Leste. Mas o sucesso foi considerado igualmente retumbante. Aproveitando a dinâmica desta Operação Toranja, em meados de Setembro outras bases adjacentes (Indoro, Manhatanda) vieram também a cair nas mãos das forças governamentais moçambicanas. Enumeravam-se 500 mortos entre os rebeldes. Como outrora acontecera com Kaúlza de Arriaga, o general português responsável pela Nó Górdio, também o presidente moçambicano Samora Machel se deixou fotografar acompanhando o decorrer de acção em conversa com os operacionais (abaixo). Mas a prazo – e bem curto – percebeu-se que a FRELIMO cometera precisamente o mesmo erro que os portugueses haviam cometido, a tal pedrada no vespeiro. A RENAMO dispersou-se, expandindo a sua actividade para as províncias adjacentes. Pior do que acontecera no passado, a RENAMO teve até o descaramento de aproveitar a retracção do dispositivo do inimigo para reconquistar a base de Casa Banana logo em Fevereiro de 1986...
É consensual reconhecer que Portugal perdeu as guerras em África. Agora, convém alguma moderação nos elogios aos vencedores, especialmente quando esses elogios têm o efeito de nos denegrir desnecessariamente. É que exemplos como este demonstram que se pode cair na tentação de atribuir aos nossos antigos inimigos virtudes e lucidezes que na prática – porque, não esqueçamos, a guerra continuou depois da descolonização, tanto em Angola como em Moçambique – eles demonstraram nunca ter tido.
Não teço lôas aos inimigos para não apoucar os meus. (Sic) António J. pereira da Costa.
ResponderEliminarMuito bem! Estive na Nó Górdio (1970-1972}.
EliminarLLP.