23 janeiro 2015

OS TEMPOS DA «CORTINA-DE-BAMBU» E DO TERRAMOTO DE 1976

A frequência com que aparecem pequenas notícias insólitas oriundas da China – (1), (2), (3) ou (4) – faz-me lembrar, por contraste, o período em que tudo o que se passava naquele país era opaco – havia quem empregasse a expressão cortina de bambu por analogia com a cortina de ferro que também nos impedia de acompanhar com liberdade o que se passava na Europa de Leste. Aquilo que se passava na China estava vedado à comunicação social que não fosse controlada pelas autoridades. Um exemplo impressionante das consequências disso foi – parece-me que...
...continua a ser – o episódio do terramoto que abalou o leste da China em 28 de Julho de 1976 e que afectou sobretudo a cidade de Tangshan. Por essa época travava-se nas cúpulas do Partido Comunista Chinês uma decisiva batalha política quanto à sucessão de um moribundo Mao Zedong que viria a morrer, aliás, dali por pouco mais de um mês (a 9 de Setembro). As autoridades, mesmo as não assumidamente alinhadas com as facções em disputa, movimentavam-se com a cautela de quem não quer fornecer pretextos aos seus adversários potenciais.
Porém, a dimensão da destruição do terramoto, conjugada com uma cultura maoista orientada para a inflação dos números reportados fez com que as primeiras contagens de vítimas da tragédia que chegaram ao exterior apontassem para 655.000 mortos, o que a transformaria numa das maiores tragédias naturais da História¹. Apesar disso – ou por causa disso – o governo chinês não quis aceitar os meios de auxílio internacional que lhe foram oferecidos pela ONU, acreditando (provavelmente com razão) que, com a chegada das equipas internacionais de socorro, ele perderia o controlo da informação que chegaria ao exterior.
Para uma informação mundial habituada (e dependente) do audiovisual, o terramoto de Tangshan foi um desapontamento e um retrocesso, um acontecimento para ler pelos jornais como acontecia com as catástrofes 50 anos antes. A abertura posterior da China permitiu que se viesse a rectificar (1988) em baixa o número oficial de vítimas, 242.819¹; em 2010 apareceu um filme (Tangshan Dadizhen - abaixo) cujo enredo se desenvolve a partir desse terramoto e que foi um grande sucesso comercial na China. Fora dela contudo, e por causa da escassez das imagens, a tragédia praticamente desapareceu da memória colectiva.

¹ Para comparação, o número de vítimas causadas pelo tsunami que em 2004 varreu o Oceano Índico foi subindo progressivamente até atingir a estimativa final de 230.000.

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