02 janeiro 2015

UMA PASSAGEM DE ANO NAS TRINCHEIRAS DE HÁ CEM ANOS

Przemyśl é uma cidade polaca situada actualmente quase na fronteira daquele país com a Ucrânia. Em 1914, contudo, pertencia ao Império Austro-Húngaro e era uma cidade fortaleza que se encontrava cercada pelo exército russo. Lá dentro coexistia uma população de 54.000 pessoas (dados do censo de 1910 – 30% dela de confissão judaica) e uma guarnição militar que seria o triplo desse número, num total que rondaria as 200.000 pessoas e onde se incluía o narrador desta nossa história, um jovem médico húngaro (mas de ascendência alemã) recém-incorporado chamado Jozef Tomann. Como médico militar Tomann estava numa posição privilegiada para constatar o efeito que as dificuldades de abastecimento estavam a causar na saúde e na moral das tropas cercadas. Mas isso seriam as entradas posteriores no seu diário. Em 31 de Dezembro de 1914, ainda o cerco não completara dois meses e ele escrevia:
Os soldados russos relincham de cada vez que avistam as nossas tropas, mostrando saber que estamos forçados a alimentar-nos de carne de cavalo. Há alguns dias uma das nossas patrulhas encontrou uma nota deixada por eles, indicando-nos a localização das hortas e dos batatais e dizendo-nos que não disparariam se lá fôssemos apanhar alguma comida. E era verdade! Quando os nossos soldados foram, os russos dispararam dois tiros de pólvora seca para o ar, só para assinalar que nos tinham visto. No dia seguinte, fomos lá todos buscar mais.
É o último dia do ano! Não vou ter pena nenhuma que o ano tenha acabado. Também é verdade que eu estava tão contente com a minha querida Mitzl
(a mulher) durante os primeiros sete meses do ano e que a 7 de Junho de 1914 a Else tenha vindo ao Mundo! Devia dar-me por contente e não pedir mais nada.
O pior da guerra já terá certamente passado. Estamos agora a caminhar em direcção à paz. Paz – a ideia parece-me quase estranha. Será que vai chegar rapidamente? Aí é que me poderei dedicar à minha família e à minha profissão. É a esperança que o próximo ano nos veja reunidos com aqueles que amamos que nos motiva a continuar. Dá-me o ânimo e a força para este ano que entra. Em frente, estou pronto!
1915 não veio a ser o ano que o esperançado Jozef Tomann desejaria. A cidade-fortaleza de Przemyśl render-se-ia e viria a ser tomada pelos russos em 22 de Março de 1915 (acima), que fizeram na altura cerca de 120.000 prisioneiros, entre os quais se contava o Dr. Tomann, que os conquistadores mantiveram a trabalhar no hospital local lidando com os milhares de vítimas das privações e das doenças a elas associadas. Uma dessas vítimas veio a ser o próprio: Jozef Tomann morreu a 16 de Maio de 1915 sem nunca mais ter visto a sua mulher e a filha. Przemyśl é hoje conhecida por ser uma das cidades do antigo Império Austro-Húngaro a possuir uma estátua do bom soldado Schweik (abaixo). Embora seja um apreciador da figura satírica criada pelo checo Jaroslav Hašek caricaturando o soldado austro-húngaro naquele conflito, creio que à figura lhe escapa a pungência destes casos individuais tão límpidos que ao longo daquela guerra se acabaram multiplicando por milhões.

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