14 janeiro 2015

ESTRANHAS FORMAS DE VIDA


Pareceu-me adequado acompanhar esta mini-recensão de um livro intitulado Weird Life (Vida Estranha) de um fado de Amália Rodrigues intitulado precisamente Estranha Forma de Vida. Ao leitor poderá parecer estranho, mas creio que é precisamente esse o espírito da coisa. Comece-se por se dizer o quanto aprecio estes livros científicos. Para os compreender ou se dominam as matérias de que o livro trata... ou aprende-se na altura, mas aprende-se. As disciplinas científicas poucas vezes se prestam a improvisações desenrascadas sobre um qualquer tema que não se domina. Aqui, por exemplo, ajuda compreender de antemão o que são quarks, os seus seis sabores e a sua importância para o modelo explicativo actual de como se constitui a matéria; isso é significativo para que se acompanhem alguns raciocínios do autor (ex., p. 203). Acrescente-se que, em contrapartida e compreendendo os fundamentos teóricos do que se discute, é-se também muito menos permeável a opiniões dos profissionais que, invocando argumentos de autoridade, se proponham desmentir aquilo que se apresenta como óbvio. Estes livros podem tornar-se muito polémicos, mas as polémicas costumam ser sempre de categoria, porque necessariamente fundamentadas.

Não sendo extenso (220 páginas), o livro desdobra-se mesmo assim em nove capítulos, a começar pelas formas de vida mais estranhas que existem no nosso planeta, conhecidos por extremófilos. Numa descrição destinada a agarrar o leitor, mencionam-se e descrevem-se microrganismos que vivem a quilómetros de profundidade sob pressões incomportáveis e em temperaturas rondando 300º C. Um caso extremo desta incursão é um fungo que se adaptou à radioactividade da água que refrigerava o reactor de Chernobyl, convertendo a energia nuclear que dele emana e evitando os danos causados pelas mutações genéticas preservando uma cópia do mesmo cromossoma em todas as células. Mas as descobertas das últimas décadas têm-nos feito encontrar extremófilos em quase todo o lado: no meio do gelo, a quilómetros de altitude e a quilómetros de profundidade, reagindo às condições envolventes. Uma variedade que faz o autor recuperar e explorar a ideia da panspermia (hipótese que ultimamente andava muito por baixo em popularidade) para uma viagem pelo nosso sistema solar e depois pelo resto do Universo. Essa viagem, como seria de esperar, começa por Marte, mas avança para outros locais possíveis como Europa (na órbita de Júpiter), Titã (de Saturno) ou Tritão (de Neptuno). As temperaturas – a superficial de Tritão é de 35º K (- 235º C) – fariam com que os hipotéticos processos orgânicos tivessem que decorrer com outros componentes que não os da Terra – voltando ao exemplo de Tritão, o azoto que constitui a maioria do ar na Terra é solido; mas se for aquecido até aos 66º K torna-se líquido e ao atingir os 77º K começa a ferver.
Mas vale a pena assinalar a transição que subtilmente o autor vai fazendo da ciência para a metafísica. O último ⅓ do livro dedica-se à especulação pura. A certa altura assume-o, ainda que de uma forma indirecta, ao incorporar de forma indistinta na narrativa referências criaturas imaginadas por escritores de ficção científica como Ursula K. Le Guin em pé de igualdade com as saídas da imaginação de Carl Sagan. E quando chegamos aos Multiversos (i.e. Universos múltiplos) e às estranhas vidas que aí possam existir, o livro, respeitando os propósitos do título original, até parece que mudou de autor. Considerando tudo, é uma pena que livros como este (foi publicado originalmente em 2013) não apareçam traduzidos. Não sei se haverá público para eles, mas, permita-se o comentários irónicos: Ciência e livros sobre temas científicos são muito mais do que apenas António Damásio. E o público não tem culpa do analfabetismo funcional a respeitos destes assuntos da plêiade de críticos literários que pontificam no meio. 

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