Há precisamente 222 anos, dia 2 do Pluvioso do Ano I como então se diria pelo calendário republicano então recém-adoptado em França, Luís XVI foi guilhotinado publicamente no centro de Paris, naquela que depois ficou a ser conhecida como Praça da Concórdia. Contudo, se houve assunto em que as gerações posteriores nunca mais se mostraram concordantes foi precisamente na necessidade de que o rei fosse executado em vez de o despojar simplesmente do poder. A História veio a fazer de Luís XVI um infeliz, sem envergadura para reformar o Antigo Regime mas também, por força da lógica do regime que encabeçava, sem possibilidade de transferir essa responsabilidade para mãos mais capazes. O regime apresentava-se irreformável e Luís terá pago o preço de estar no cargo errado no momento errado quando esse regime se tornou insuportável para aqueles que já não o queriam sustentar com os seus impostos. A sua execução, após cinco meses de detenção, terá um valor sobretudo simbólico, como se se tratasse de uma desforra, uma expressão de um anseio popular que só se compreenderá quando devidamente integrado na conjuntura politicamente apaixonada da época em que teve lugar.
Actualmente já não se viverão tempos em que se executam governantes por erros de governação, nem José Sócrates é a personalidade simpática e trágica do cidadão Luís Capeto que subiu ao estrado naquela manhã de Inverno de 1793, embora se dê a coincidência de, também hoje, 21 de Janeiro, se celebrarem os 2 meses da sua detenção preventiva. E se acima o trocadilho era entre a concórdia e a discordância, aqui é entre a prevenção e a imprevidência. Nestes episódios, onde se consuma a queda dos que foram poderosos, há sempre audiência a quem exibir a cabeça do rei – comparação adaptada no caso de Sócrates para cabeçalhos sobre as acusações que sobre si incidirão no Correio da Manhã. E há também os outros, os que os defendem à outrance. O problema são os que ficam no meio, os que perguntam (e perguntarão) se é (foi) mesmo indispensável mantê-lo preso enquanto se procede(u) à investigação dos crimes de que é acusado. Porque continuar a manter Sócrates a expiar pena ainda antes de qualquer acusação formal está apenas a fornecer-lhe um capital de vitimização a seu favor que ele decerto virá a utilizar em seu proveito, seja ele inocente ou culpado daquilo de que (ainda não) o acusa(ra)m.
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