05 janeiro 2015

A DESONRA DA LEGIÃO DE HONRA

Apesar da panache tipicamente francesa como é promovida Mundo fora, esclareça-se previamente que a Legião de Honra é uma condecoração muito lisonjeira decerto, mas algo banalizada: o Código que a rege, promulgado pelo General de Gaulle em 1962, contemplava um impressionante quadro composto por 75 membros condecorados com Grã-Cruzes, 250 Grande Oficiais, 1.250 Comendadores, 10.000 Oficiais e 113.425 Cavaleiros; 125.000 ao todo, o que, concorde-se, é muita gente (dava para encher o antigo Estádio da Luz). Tanta que, informativamente, mais do que conhecer os agraciados conhecidos, que se contam por várias centenas, começa a ter mais interesse saber quem a tinha e lhe foi retirada, como aconteceu no caso de Maurice Papon¹, ou então quem a recusa. A referência calista neste último caso é Jean Paul Sartre, como se lê nas notícias, mas a verdade é que o gesto é bem mais comum do que aquilo que se pensa: ainda o ano passado, o desenhador Jacques Tardi, a quem já aqui me referi no blogue, o fez. Mas reconheço quanto o efeito é outro quando o homenageado desdenhoso tem projecção mediática internacional. É o caso de Thomas Piketty este ano, recusa que tanto furor tem estado a fazer. Como assinala a revista The Economist, François Hollande já tem a popularidade tão em baixo que dispensava este extra de desdém expresso publicamente por alguém que o apoiou na sua eleição há dois anos. O mais irónico do episódio é que, incidindo as críticas de Piketty sobre o que Hollande prometeu fazer e não teve coragem para concretizar, a atribuição da condecoração é muito bem capaz de não ter passado de mais um daqueles processos em que as burocracias se especializam para se mostrarem activas, a que o presidente apenas adicionou a sua distraída assinatura.

¹ Antigo funcionário do governo colaboracionista de Vichy (1942-44) implicado na deportação de judeus, conseguiu singrar depois, tendo chegado a ocupar um cargo ministerial (1978-81) sob a V República. Foi condenando por crimes contra a humanidade em 1998.

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