07 janeiro 2015

AS FACTURAS DO PEDRO

Já que se passaram três meses e entretanto começaram as audições parlamentares do caso da falência do BES, houve o escândalo das atribuições dos vistos dourados e José Sócrates foi preso, permitam-me emitir uma opinião sobre o agora irremediavelmente esquecido caso das facturas que Pedro Passos Coelho, enquanto deputado em exclusividade, apresentava para ser reembolsado por uma empresa satélite da Tecnoforma (está aqui um resumo para os mais esquecidos). Creio ter percebido como os esclarecimentos prestados pelo primeiro-ministro ao parlamento foram cuidadosamente redigidos para que, não sendo falsos, também não fossem cristalinamente verdadeiros. Além disso, o primeiro-ministro mostrou ter lapsos de memória verdadeiramente incompreensíveis. A deduzir pelos subentendidos, creio que o que ele não disse que fazia, faziam-no então imensas pessoas. Nos anos abrangidos pela amnésia, era normal existirem contractos de trabalho com uma componente oficial paga canonicamente complementada por outra parcela por fora, cuja saída contabilística do dinheiro era suportada por documentos de despesas. Os envolvidos eram obrigados a desenvolver uma actividade prospectiva em busca de facturas de montantes elevados associados a despesas razoavelmente compatíveis com a actividade da empresa (refeições, combustíveis, portagens). Era preciso denodo, mas arranjavam-se uma ou duas dezenas de contos mensais, talvez um pouco mais. E depois havia outras pessoas que estavam na mesma situação do Pedro Passos Coelho, aqueles que estavam em regime de exclusividade (estou-me a lembrar do exemplo de médicos, por causa da revisão das carreiras implementada pela sua companheira Leonor Beleza enquanto ministra da Saúde) e que trabalhavam noutros sítios mas não podiam e que tinham que receber tudo por fora. Os montantes subiam e era preciso mobilizar a família e os amigos como recolectores de facturas que perfizessem o montante mensal. A qualidade do que era apresentado também se ressentia e o género de despesas que passavam a ser formalmente suportadas pela empresa pagadora dificilmente seriam compagináveis com a sua actividade: tanto podia ser um fato saia-casaco como as compras semanais de uma família num hipermercado. Regressando ao caso concreto de Pedro Passos Coelho, afigura-se-me demasiado oportuno que as suas alegadas despesas de representação nunca tivessem podido estar documentalmente acessíveis. É que, se se tratassem de verdadeiras despesas desse género, como despesas com viagens aéreas, estadias e refeições, como chegou a ser exemplificado, apenas a exibição das facturas com as respectivas datas e locais teria mostrado a sua pertinência e desmontado todo o caso. Assim, mesmo que se usem todos os expedientes mediáticos para que não se pense mais nisso, o apuramento da verdade sobre o que terá acontecido parece-me encerrado.

Apesar de condenado, creio que Pedro Passos Coelho não se distinguirá de muitos portugueses ardilosos entre os quais me incluo – embora só tenha praticado a primeira modalidade acima descrita, a outra, porque contorna uma proibição expressa tenho dúvidas que praticasse. A diferença para os outros é que ele desenvolvia e fazia tenções de continuar a desenvolver actividade política, era um deputado, e tinha ambições – que hoje vemos concretizadas – de vir a ser ainda mais do que isso. Será que estaria à espera que estas habilidades nunca se soubessem? Eu não estou à espera que exista uma classe política impoluta, mas estou à espera que seja um pouco mais que esta mistura entre o ardil primário e a aposta na ingenuidade alheia.

Por falar em ardis e ingenuidades, apesar dos esquecimentos, mantenho-me atento para ver em que é vão dar os processos criminais que a Tecnoforma anunciou ir desencadear contra uma porção de gente e instituições: Ana Gomes, Clara Ferreira Alves, José António Cerejo, José Pacheco Pereira, Miguel Poiares Maduro, o jornal Público...

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