Quem conheça a vida do general de Gaulle (mesmo sem ter lido qualquer biografia sua), saberá que as vicissitudes da sua carreira fizeram com que ele tivesse que aprender a falar, praticando, outros idiomas para além do seu francês materno. Durante uma parte da Primeira Guerra Mundial, entre 1916 e 1918, ele esteve prisioneiro na Alemanha, tendo por isso que falar alemão. Posteriormente e durante uma parte da Segunda Guerra Mundial, entre 1940 e 1943, esteve exilado na Grã-Bretanha, tendo por isso de falar inglês com os seus anfitriões. Contudo, uma característica reconhecida a de Gaulle, é que ele falava os idiomas que não o seu com um carregadíssimo sotaque gaulês, não se sabendo se o fazia por falta de vocação, por negligência, ou expressamente, como um retoque da sua pretensão de representar a França, como mais ninguém da sua geração o conseguiria fazer, marcando o favor de se expressar num outro idioma que não o natural (note-se que o francês havia sido desalojado de idioma diplomático de referência depois de 1945). Neste discurso que é pronunciado por de Gaulle a 6 de Setembro de 1962 - há 60 anos - em Bona (que era então a capital da Alemanha Federal), suponho que nem será preciso dominar o alemão para que nos apercebamos o quanto os sons saem distorcidos daquilo a que estaremos habituados quando alguém fala alemão!
Quanto ao inglês... Havia uma história que corria durante a Segunda Guerra Mundial que, não visando directamente de Gaulle, acabava por o fazer através da mulher, Yvonne de Gaulle (tante Yvonne), mas que troçaria da falta de fluência dos de Gaulle no inglês, apesar dos anos de residência em Inglaterra. A história passava-se com uma jornalista norte-americana, interessada em entrevistar o casal de Gaulle, um pedido a que, dada a situação de dependência dos restantes aliados dos todos poderosos Estados Unidos, convinha não recusar. Uma entrevista a ser concedida em inglês, claro! A certa altura, numa daquelas perguntas consagradas sobre qual seria o segredo para a harmonia da sua vida de casados, a entrevistada respondeu placidamente qualquer coisa que soava Appeniss (um pénis). Com a fleuma que lhe era reconhecida, de Gaulle ter-se-ia voltado para a esposa e, em francês, tê-la-ia rectificado: «Minha querida, creio que aquilo que quererias dizer era happiness (felicidade).» A história tem tanto de ferina quanto de engraçada, mas será provavelmente apócrifa. Suponho que a reputação de de Gaulle no que concerne à (falta de) familiaridade com idiomas estrangeiros será um dado histórico adquirido. Explicado tudo isto, chegar a uma página de uma rede social e ver alguém a citar pomposamente um pensamento de Charles de Gaulle mas redigido em inglês é... Creio que nem vale a pena qualificar.
Se o Paulo Gorjão aqui acima quisesse citar de Gaulle no formato que eu consideraria apropriado, então deveria ter escrito o seu pensamento aproximadamente como «Retenham esta lição, a história não nos ensina apenas o fatalismo, ele há ocasiões em que a vontade de alguns homens contraria o determinismo e cria novas opções». Porém, o remate que «o povo tem a história que merece» não faz parte do corpo da citação, que é retirada de um discurso que ele terá proferido em 1921. Ou então o Paulo Gorjão poderia citar de Gaulle no original, dando mostras de uma sofisticação consentânea com a cultura que pretende exibir: «Retenez cette leçon, l’Histoire n’enseigne pas le fatalisme, il y a des heures où la volonté de quelques hommes brise le déterminisme et ouvre de nouvelles voies.». Assim como aparece publicado, pretendendo o efeito contrário, só dá mostras da ignorância do ilustre digital influencer: uma ignorância tanto linguística quanto histórica.
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