Como antigo aluno do Colégio Militar, confesso que não me agradam imagens como a de cima, onde um aluno da escolta a cavalo daquele estabelecimento de ensino aparece a empunhar, durante uma cerimónia, a antiga bandeira nacional monárquica, como se de um estandarte oficial se tratasse. Adicionando um retoque de ironia à cena, reconhecem-se ao fundo as cores de várias bandeiras nacionais (as verdadeiras...) dependuradas de varandas. Vale a pena acrescentar que desconheço as circunstâncias em que a cerimónia terá tido lugar e qual a pertinência – se alguma houver… – para que a bandeira monárquica ali aparecesse. Mas devo concluir este meu raciocínio rematando que o responsável por tal decisão – a de associá-la ao Colégio Militar – devia saber que na actualidade o significado do galardão se cinge apenas a uma causa política: a da monarquia. E que o Colégio Militar é muito mais do que isso.
Tem-se notado nestas últimas décadas uma tendência crescente para uma associação – quiçá uma irmandade natural entre instituições antigas… – entre o Colégio Militar e a monarquia. A imagem recorrente para a ilustrar já no meu (há algum…) tempo costumava ser as fotografias do príncipe herdeiro Luís Filipe (1887-1908) devidamente fardado (acima) como aluno do Colégio Militar de que Luís Filipe era, aliás, Comandante de Batalhão honorário. Mas vale a pena esclarecer que a fotografia pode ser ilusiva: ao contrário do que acontece com os actuais herdeiros dos tronos europeus, que frequentam verdadeiramente os estabelecimentos de ensino militar (embora em regime aligeirado), não tenho nota que ele ou o seu pai, Carlos I, apesar de Comandantes de Batalhão honorários, tenham frequentado pessoalmente, numa rotina diária, os claustros da Luz como os verdadeiros alunos do então Real Colégio Militar.
Vale a pena lembrar que, dos 210 anos de idade com que conta o Colégio Militar, a primeira metade decorreu sob a monarquia. E que a notoriedade do Colégio Militar, aparecido em 1803, ter-se-á vindo a consolidar apenas progressivamente ao longo do Século XIX. Quando apareceu, já existia o estabelecimento de ensino concebido para a formação das elites aristocráticas: era o Real Colégio dos Nobres, fundado em 1761. O Colégio Militar surge num período em que se vive uma Revolução, também na arte da guerra, em que o sucesso dos exércitos napoleónicos (onde os soldados se podiam tornar marechais), impôs a adopção da meritocracia como critério de selecção dos seus quadros, em detrimento das virtudes de nascimento. Este bonapartismo genético do Colégio Militar tê-lo-á tornado certamente malquisto sob o absolutismo miguelista, só apenas mais tolerado sob o constitucionalismo e a regeneração que se lhe seguiram.
O prestígio que o Colégio Militar possa ter gradualmente vindo a adquirir demorou quase um século a evidenciar-se. Note-se que um dos textos que costumam ser dados por mais antigos referentes ao Colégio Militar, escrito por Ramalho Ortigão (ver o vídeo acima), um elogio ao primeiro desfile do batalhão colegial, foi produzido a propósito da cerimónia da visita dos reis de Espanha que teve lugar durante o reinado de Manuel II (1908-1910), já nos anos terminais da monarquia. Para além da ablação do epíteto de Real, os sinais parecem indicar que o regime republicano terá dado toda uma outra importância e projecção ao Colégio Militar – o que é um paradoxo, se nos lembrarmos por onde começámos este poste. De facto, foi sob o novo regime e apenas 118 anos depois da sua criação que o estandarte do Colégio Militar recebeu a sua primeira condecoração, em 1921: a Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
É surpreendente perceber a importância atribuída por essa altura ao Colégio Militar. Nesta fotografia acima, tirada por ocasião da abertura solene do ano lectivo em 21 de Outubro de 1923, uma das primeiras visitas oficiais do recém-empossado Manuel Teixeira Gomes, o chefe de estado é acolhido à entrada não apenas pelo anfitrião, o director do Colégio Militar, mas também pelo próprio presidente do governo, António Maria da Silva. E a cerimónia da atribuição de prémios aos alunos que mais se haviam distinguido no ano anterior conta com a presença dos três (fotografia abaixo), algo que é inédito na história colegial antes ou depois. O prestígio que o Colégio Militar registava nesse período traduziu-se numa expansão dos efectivos do batalhão colegial de menos de 350 alunos em 1910 para mais de 460 (entre 1925 e 1928), números esses que só voltaram a ser realcançados (e muito ultrapassados) nas décadas de 1960 e 70.
Quando o Colégio Militar está a atravessar mais uma das crises da sua história, é perceptível que existe uma ampla maioria de ex-alunos (onde me conto) a quem o assunto não despertará vontade de se manifestar e uma minoria muito mais exuberante e muito mais convicta agrupada à volta da associação de antigos alunos. Como observador interessado, nem tenho adjectivos para qualificar a conduta de José Pedro Aguiar-Branco na pasta da Defesa, e não apenas por causa da forma como tem abordado esta questão dos estabelecimentos militares de ensino. Mas a repulsa por alguém que nem sequer qualificado estará para sobraçar a pasta não me põe do mesmo lado de uma trincheira de onde tenho ouvido, predominantemente, discursos onde não me reconheço, não só pelo seu radicalismo, mas por serem retrógrados e ultramontanos e, como penso ter aqui demonstrado no caso da monarquia, nem sequer terem justificação.
Apoiado sem tirar nem por. Também faço parte dessa maioria silenciosa.
ResponderEliminarCompreendo o teu artigo. Sinceramente tb não sei pq que raio o elemento da escolta lea a bandeira da monarquia, mas concerteza alguém vai elucidar sobre o assunto. Não me parece que tenha algum contexto político até pq isso era provocatório. Em relação à reforma, não concordo com ela nos moldes em que está a ser feita. Acredito em algumas alterações, até pq sou pai de um aluno do 1ºciclo do CM. Zacatraz
ResponderEliminarEm também compreendo o teu comentário.
ResponderEliminarTenho a ideia é que a atitude passiva que sugeres, de ficar à espera de uma eventual elucidação, não seria propriamente a mesma se, em vez daquela bandeira, o moço transportasse, por exemplo, a bandeira da CGTP-IN...
Além de considerar pessoalmente o Aguiar-Branco um "merdas" e de constatar que a AAACM também nos tenta manipular não tenho e não tenho interesse em ter opinião sobre as reformas necessárias no Colégio Militar.
Abraço
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