Creio que todos nós, como membros de uma sociedade, quando confrontados com situações excepcionais de sacrífico, podemos perceber que haja algumas razões para que nem toda a Verdade nos deva ser dita, atendendo às circunstâncias pelas quais esses mesmos sacrifícios excepcionais nos estão a ser pedidos. Tomemos o exemplo extremo da Guerra, com a inevitável mobilização dos recursos humanos e materiais e a contenção forçada dos consumos através dos racionamentos. Podemos esperar - e é natural - que, com ela, haja uma retórica da estratégia por parte dos líderes políticos (acima é uma citação do famoso discurso de Churchill de Junho de 1940), mas compreende-se que ali e também noutras circunstâncias similares alguns detalhes da táctica tivessem de ser mantidos em segredo: os desembarques na Normandia, por exemplo, só foram anunciados ao povo britânico por Churchill depois de terem tido lugar…
Mas, compreendendo essas excepções tácticas, não se compreende que o secretismo se transforme numa regra, especialmente quanto, no actual caso português, é a própria retórica da estratégia (com referências a datas simbólicas como 1640) a realçar-nos, membros da sociedade, a excepcionalidade da situação que se vive e, consequentemente, dos sacrifícios que nos estão a ser pedidos, a mereceram a nossa compreensão à altura das circunstâncias. O que se torna inadmissível neste contexto é ouvir figuras de estatura menor (mas influência superior) do elenco governativo a gabarem-se da sua modéstia ao não publicitar as suas batalhas negociais contra a troika. Em primeiro lugar porque esta exibição de modéstia de Carlos Moedas não se coaduna com a exibição de arrogância do mesmo Carlos Moedas que há dois anos e meio assegurava que as agências de rating iriam subir a notação portuguesa com a ascensão do PSD ao poder¹.
Talvez o exercício do poder tenha propiciado a Carlos Moedas um oportuno duche frio de modéstia, mas os custos com a educação da sua personalidade nem sequer são o aspecto mais importante do problema. Esse é a opacidade como as negociações entre o governo de que faz parte e a troika têm decorrido, como se se tratassem de planos de campanha abrangidas por uma espécie de segredo militar, secretismo que este governo faz gala em preservar. Ainda hoje, e só de uma forma difusa, se percebe que houve muitos problemas com o encerramento da 7ª avaliação em Março deste ano, embora os suportes documentais de todas elas (avaliações) sejam de uma esterilidade confrangedora. Mas o facto do governo não as complementar para a comunicação social com oportunas fugas de informação sobre as negociações só pode ter uma leitura política: a de o governo que não pode (ou não quer) delas extrair vantagens internas.
Em qualquer das duas hipóteses acima o comportamento governamental caracterizar-se-á pela falta de poder em relação à organização que federa os credores, mormente agravado pela secundarização que ele atribui à prestação de contas à sua própria opinião pública, ao próprio eleitorado. Será isso que ninguém perdoa - e que eu creio que ninguém deve perdoar. Quando Carlos Moedas dá uma entrevista a uma rádio e parece precisar de realçar a sua autonomia de pensamento em relação à política financeira imposta do exterior, como se andássemos todos enganados ao fim de dois anos e meio, agarrando-se a – numa expressão muito do agrado do avuncular Eduardo Catroga – um pentelho, nem se deve estar a aperceber, obtusamente, que nos está a dizer tudo o resto. Olhem, é como se eu acabasse este texto a dizer que, num aspecto ou noutro, eu até estou de acordo com a conduta governamental de Carlos Moedas…
¹ Com as reformas que o PSD vai implementar, eu digo-lhe que ainda vão subir o 'rating', não sei se nos próximos 6 meses, se nos próximos 12 meses -- ainda não se sabe quando haverá um novo Governo. Mas 29 meses depois da posse do tal governo os ratings mantêm-se. Ontem, criou-se um grande espavento, mas a Moody’s melhorou apenas a perspectiva portuguesa de negativa para estável.
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