07 dezembro 2020

AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES GERAIS POR SUFRÁGIO UNIVERSAL NO PAQUISTÃO

7 de Dezembro de 1970. Realizam-se as primeiras eleições gerais por sufrágio universal no Paquistão. País formado em 1947, ao mesmo tempo que a Índia, e abrangendo as regiões de maioria muçulmana do subcontinente, o Paquistão de 1970 era um país compósito e complexo, mais do que o é na actualidade. Assim, como se observa no mapa acima, era formado por duas partes separadas, assinaladas a verde: o Paquistão Ocidental e o Paquistão Oriental. O primeiro era quase seis vezes mais extenso que o segundo, mas a maioria da população (54%) concentrava-se neste último, onde a população, aliás, era mais homogénea do que na parte ocidental. Mas era a ocidente que se situava a capital paquistanesa: primeiro fixara-se no porto de Karachi, mas mais tarde transferida para Islamabad, no interior. As conexões entre as duas grandes componentes do país deixavam muito a desejar: são mais de 2.000 km de Islamabad até Dacca pelo ar e 2.600 milhas náuticas (4.800 km) de Karachi a Dacca por mar; por estrada, são 2.300 km de Lahore até Dacca, um percurso que, porém, só se poderia cumprir atravessando a Índia hostil. Em suma, e considerando as restrições que a Índia colocava ao sobrevoo do seu território por aviões paquistaneses, pode dizer-se que, comparativamente e para a época, Portugal possuía ligações mais fluídas e rápidas com algumas das suas colónias de África (como Cabo Verde e Guiné) do que as existentes entre as duas parcelas do Paquistão.
A comparação entre Portugal e o Paquistão é menos descabida do que se possa pensar à primeira vista, porque, no quadro das relações políticas entre as duas parcelas, era de uma verdadeira exploração colonial que os principais dirigentes políticos do Paquistão Oriental se queixavam, conforme se pode escutar acima na entrevista dada alguns dias antes das eleições pelo xeque Mujibur Rahman. Tratado pelos seus adeptos por Mujib, Rahman era a figura política mais destacada no Paquistão Oriental, e já estivera preso durante dois anos pelo regime militar paquistanês, acusado de secessionismo em prol de um Paquistão Oriental independente. Estas eleições gerais de há cinquenta anos, foram as primeiras em 23 anos de existência do país a recorrerem ao sufrágio universal, e seriam o primeiro teste verdadeiro à consistência popular da nação paquistanesa. O modelo escolhido foi o britânico: 300 círculos eleitorais que elegiam cada um o seu deputado, escolhido pelos 57 milhões de eleitores. A grande maioria deste eleitorado (pelo menos 75% dele) era analfabeta, e a esmagadora maioria da propaganda assentava nos símbolos em vez de palavras. Como se veio a tornar costume e para evitar que os eleitores votassem mais do que uma vez, eram obrigados a marcar o indicador com tinta indelével. Mas, muito importante para as consequências do acto eleitoral e porque a maioria da população (e do eleitorado) se situava no Paquistão Oriental, este elegia 162 deputados enquanto o Paquistão Ocidental elegia os restantes 138.
A acrescer às questões estruturais, o acto eleitoral foi fortemente influenciado (pelo menos, na parte oriental) por questões circunstanciais: no mês anterior a região fora assolada por um terrível ciclone que provocara centenas de milhares de mortos, onde a assistência às vítimas - para não ser mais crítico - não se distinguira pela sua eficácia. Foi com base nisso que os 33 milhões de eleitores paquistaneses que votaram (uma afluência de 58%) produziram a composição da assembleia que se pode apreciar acima, à esquerda. Repara-se que não houve nenhuma formação política que conseguisse eleger representantes simultaneamente nos dois Paquistões. Nem na Assembleia "Nacional" paquistanesa, nem nas regionais (à direita), onde, mesmo assim, se constatava que o PPP de Zulfikar Ali Bhutto parecia prevalecer na parte Ocidental do Paquistão. A nível nacional, com 160 deputados eleitos em 300 (ou seja, quase todos os 162 que haviam estado em disputa no Oriente), a Liga Awami de Mujibur Rahman poderia aritmeticamente vir a governar sozinha o Paquistão, mas isso representaria uma verdadeira «cambalhota política» em que os discriminados de ontem se transformariam nos detentores exclusivos do poder de hoje. Algo que o governo militar de Islamabad nunca poderia aceitar. Com estas eleições, o Paquistão apareceu perfeitamente dividido em dois, concluindo-se que a sua constituição inicial, em 1947, fora, provavelmente, uma aberração nos contornos que assumira. Realizadas imediatamente depois do ciclone de Bhola, estas eleições foram, possivelmente, o maior ciclone político provocado por umas eleições gerais.

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