10 outubro 2006

AS INDEPENDÊNCIAS AO LONGO DO SÉCULO XX (3)

Quanto aos critérios adoptados para a escolha da data de independência de um país optou-se pela data da sua concessão formal. Como critério tem as suas limitações; já aflorámos atrás os métodos dissimulados com que algumas potências asseguravam (e asseguram...) o controle de países alheios; embora nominalmente independente, é difícil conceber a China dos inícios do século XX como tal, na prática. Mesmo um pouco mais tarde, é preciso um certo esforço mental para ter presente que, durante os anos de 1940-41, em plena 2ª Guerra Mundial, quando os britânicos detiveram o esforço ítalo – alemão para a conquista do canal do Suez, o Egipto já era um país independente com um governo próprio. Sobre o que esse governo pensaria não rezam as histórias da guerra, tal a importância para os britânicos daquilo que estava em jogo. Só que, mau grado tudo isso, o critério escolhido é objectivo. Não se propícia a interpretações políticas contestáveis, nem a conceitos intangíveis, como seria as considerações sobre a capacidade de influência das potências mundiais numa determinada região. Utilizando qualquer outro processo estaríamos a abrir a porta à inclusão de demasiadas zonas cinzentas: o Irão só se teria tornado independente depois do derrube do Xá, em 1979?

A segunda questão é a de quem se tornou independente. Quando os Impérios se fragmentam em estados nacionais (como aconteceu à União Soviética ou ao Império Austro-Húngaro) aparecem diversos estados nacionais no espaço territorial que havia sido anteriormente ocupado pelo império. Só que cada império foi formado à volta de um ou mais povos, que constituem o seu núcleo de referência. Não considerámos assim que os estados nacionais formados por esses povos alcançassem a independência (a Rússia, a Áustria e a Hungria, nos exemplos acima citados) na era pós imperial, antes sofreram uma perda de influência no panorama mundial. Da mesma forma (um outro exemplo), a data do aparecimento dos Bengalis muçulmanos na cena mundial é 1971, data da independência do Bangladesh, e não 1947, data da sua independência do poder britânico, mas inseridos no Paquistão.

A terceira questão prende-se com as circunstâncias em que se verificaram as independências e quanto às datas consideradas da independência efectiva. A esmagadora maioria delas processaram-se por um mútuo acordo entre os intervenientes. Mas, vezes houve em que não foi assim e, nesses casos, teve que haver um tratamento casuístico da nossa parte. Só que a maioria das proclamações unilaterais de independência por parte dos povos subjugados foram sobretudo um instrumento político de pressão internacional, sem a capacidade de as concretizar satisfatoriamente no terreno – foram os casos da Guiné-Bissau em 1973, do Saara Ocidental em 1975 (que não foi concretizada até hoje) e mais alguns, mais efémeros. Contudo, houve situações em que não foi assim: quando a minoria branca da Rodésia (Zimbabwé) proclamou a sua separação da metrópole britânica em 1965, estava em condições de, apesar da enorme pressão internacional, a levar por diante e a aplicar na prática. Embora posteriormente, em 1980, se tenha procedido a uma segunda independência, desta vez com o acordo de todas as partes intervenientes (especialmente a metrópole e a maioria negra), foi a primeira data que considerámos.

Finalmente, há ainda que equacionar alguns casos de países que duplicaram, por assim dizer, as declarações de independência. Um caso flagrante é o dos países bálticos: tanto a Estónia, como a Letónia e a Lituânia foram independentes de 1919 a 1940, e tornaram a sê-lo a partir de 1991. Nestes casos, o critério adoptado foi o da derradeira declaração de independência. Não existe nenhuma pretensão de que o status quo actual é mais válido e mais duradouro do que os do passado. A História tem mostrado que pretensões desse tipo, quando frágeis, são desmentidas pelo tempo. Mas são as condições actuais que prevalecem e é baseado nelas que iremos efectuar a presente análise.

De fora destas normas gerais ficarão sempre alguns casos esporádicos: como classificar a situação da Formosa? Será que a Somália ou a Serra Leoa ainda se pode considerar estados? E o caso dos micro-países (Andorra, Vaticano, Mónaco, etc.)? E como enquadrar os estatutos da Palestina e do Kosovo? Chipre conta como um ou como dois países? Encurtando, o elemento essencial a reter é que actualmente 99,85% da população mundial vive em estados independentes. A esmagadora maioria deles existem por direito próprio, uma pequena minoria subsiste apenas à custa de ajudas externas, nascidos que foram numa época em que ter uma bandeira, um hino e um governo próprios se tinha tornado numa moda, independentemente das considerações mais realistas da capacidade de subsistência económica autónoma. Mas não nos antecipemos...

Esgotadas as considerações prévias, que acabam sempre por se tornar mais extensas do que desejamos, mas que são também sempre indispensáveis, e regressando às independências, iremos apresentar em próximas entradas cada uma das seis fases atrás descritas, comentando-as e enquadrando-as no pensamento internacional dominante da sua época.

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