18 outubro 2006

O RIGOR DA BBC

Eu suspeito que um dos dramas de José Pacheco Pereira consiste em andar demasiado marcado para poder saltitar alegremente da sua faceta de comentador afastado da arena política para seu interveniente. Ainda há uns meses, as suas incursões pelo liberalismo, caminho que preconizou para o PSD futuro, foram apreciadas com alguma ironia e sarcasmo (incluindo o meu) ao anteciparmos Pacheco Pereira como um improvável compagnon de route de alguns conhecidos cromos – alguns revelados pela blogosfera - defensores do mais descabelado capitalismo.

Eu percebo que a aquisição de prestígio enquanto comentador equilibrado só deverá fazer algum sentido utilitário se, nos momentos convenientes e para os assuntos importantes, se poder capitalizar esse prestígio na influência que se possa produzir na opinião pública em favor das próprias teses. Era a técnica da BBC durante a 2ª Guerra que, ao contrário da sua rival alemã, evitava a propaganda extrema e procurava transmitir apenas a verdade (nem toda…), para poder ir ganhando a confiança dos ouvintes e enfiar-lhes uma galga importante de quando em vez.

Será culpa da falta de discrição ou de jeito nas inflexões de José Pacheco Pereira ou então da sofisticação do auditório que foi adquirindo ao longo do tempo (fiel, valha a verdade e passe o auto-elogio implícito…), sempre que lhe foge um pouco o pé para o chinelo da militância, como aconteceu com a sua apreciação do programa Prós e Contras da passada Segunda-Feira, onde o seu PSD protagoniza a oposição à Lei das Finanças Locais, protagonizada por sua vez pelo PS e corporizada em António Costa, parece haver algo que não soa bem, como nota desafinada em teclado de piano.

Se puder sintetizar numa só frase as incongruências da apreciação que José Pacheco Pereira fez do referido programa e que, aliás, publicou no seu blogue, esta será: Fernando Ruas comportou-se com uma enorme delicadeza de trato face aos golpes baixos do Ministro, aos quais não era alheio um desprezo intelectual pelos seus interlocutores. Vindo de quem vem, a quem já vi dezenas de intervenções televisivas, é uma verdadeira descoberta que José Pacheco Pereira considere negativo e digno de censura que em televisão se demonstre desprezo intelectual pelos seus interlocutores…


Mas isso será apenas um mero aspecto formal mais caricato da sua apreciação. Recorrentemente, quando solicitado a emitir uma opinião sobre as medidas mais recentes adoptadas por este governo, José Pacheco Pereira costuma ultrapassar a apreciação da medida em si para se concentrar sempre nos motivos – sempre superficiais… - que estarão por detrás da sua adopção. Ora isto é um verdadeiro vício argumentativo designado por processo de intenções – aquele a que se refere a famosa expressão coloquial eu não faço processo de intenções. Há muito quem o use e invoque sem saber do que se trata. Mas por tudo o que já lhe ouvimos não será aceitável que esse seja o caso de José Pacheco Pereira…

Aditamento de 19 Outubro: José Pacheco Pereira resolveu adicionar cinco comentários de leitores fortemente críticos e discordantes (e só desses…) sobre as apreciações que havia emitido a respeito do programa Prós e Contras. Será uma admissão de mea culpa? Será que, para alguns dos seus leitores, JPP está tão preso a uma reputação de equilíbrio e distanciamento que já não lhe permitem ataques de clubite política?

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