05 outubro 2006

UM PROBLEMA FILOSÓFICO

Se calhar, será culpa minha – e também de um muito medíocre professor de filosofia que tive no Colégio Militar – a dificuldade com que as minhas apreciações aos princípios doutrinais teóricos apresentados por José Pacheco Pereira (que até é licenciado em filosofia) correspondam depois às apreciações que faço aos exemplos a que recorre para expor a sua teoria. Vejamos este seu texto, desdobrado em duas partes, doutrinal e exemplificativa, que publicou no seu blogue:

O grau de proselitismo político na nossa comunicação social está tão embrenhado, é tão denso e tão habitual, a começar pela questão "americano-bushista-israelo-palestiniana-iraquiana", que já é difícil imaginar como seriam as "notícias" sem ele. Seriam certamente mais notícias.
Exemplos: silêncios sobre o que se passa e é necessário fazer no Darfur, resultado de não se querer integrar o noticiário sudanês no contexto dos conflitos de origem islâmica; indiferença perante atentados como o de Mombai, também descontextualizado; conflitos húngaros entre o primeiro-ministro e a "extrema-direita", forma de diminuir a reacção contra um governante socialista; omissão do conteúdo do documento dos serviços secretos americanos publicado para mostrar como eram de má fé as fugas parcelares realizadas, etc., etc. Fecho rápido de assuntos, de tudo o que contraria as teses dominantes, ao mesmo tempo que se estica até ao limite tudo o que as reforça. É intencional? Muitas vezes nem sequer isso é. É como quem respira. Sempre o mesmo ar.

É que, se por um lado e na minha modesta opinião, lhe assiste razão na forma como descreve o enviesamento que as notícias internacionais muitas vezes contêm, com o que eu não estarei de acordo é em atribuí-lo, nem exclusiva, nem predominantemente, a causas internas, porque, comparando com as mesmas notícias quando publicadas em órgãos noticiosos estrangeiros, têm uma orientação muito semelhante, dando a entender que, muitas vezes, é já o noticiário das fontes que já assim vem preparado e que é mesmo assim – por inércia – que é transposto para os noticiários nacionais.

Só que, nos exemplos que depois aponta, José Pacheco Pereira não se pode esquecer que não é um cidadão qualquer, daqueles que quando pretende ser escutado pela comunicação social escreve uma carta ao director do jornal ou ao provedor do ouvinte esperando o seu bom acolhimento. E os exemplos que invoca podem cair-lhe em cima…

Exemplo? A propósito do desinteresse manifestado pelos atentados de Bombaim que menciona e, que me recorde, em todo o programa Prós e Contras da RTP, a propósito do terrorismo, onde José Pacheco Pereira participou com Mário Soares, ninguém os mencionou. Mas este ninguém inclui o próprio Pacheco Pereira! Mesmo que isso não tenha acontecido – não assisti a todo o programa... – a referência a eles terá sido negligenciável quando comparada com a dos outros atentados de Nova Iorque, de Madrid e de Londres…

Ora se, como conclui no seu próprio texto, a distorção já paira no ar, eu não quereria cometer a indelicadeza, mas teria de acusar todos os intervenientes no programa – incluindo o próprio José Pacheco Pereira – de, seguindo precisamente a sua ideia, já estarem todos irremediavelmente contagiados… Ou a lucidez só lhe regressa em casa, quando se senta para escrever no teclado?

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