12 outubro 2006

AS INDEPENDÊNCIAS AO LONGO DO SÉCULO XX (6)



3) A Nova Ordem Depois da 2ª Guerra Mundial (1944-1956)

Os dez anos imediatos ao findar da 2ª Guerra Mundial marcam o fim do Mundo eurocêntrico, construído a partir de meados do século XIX, consolidado até à 1ª Guerra, mantido com dificuldades a partir daí. As fotografias da vitória, mostrando os generais a posar na cerimónia da rendição alemã em Berlim, em Maio de 1945, mostram quatro generais de quatro exércitos muito diferentes nos percursos que os levaram até ali:
- o francês, derrotado em campo, mas vitorioso na cerimónia, porque, parafraseando, sagesse politique oblige[1];
- o britânico, o combatente de sempre, mas cuja vitória se tinha tornado pírrica[2];
- o soviético, aliado contra natura dos restantes, e cioso de conservar o que conseguira, talvez porque superava as suas expectativas iniciais, mas também porque tinha pago um preço enorme em vidas humanas por isso;
- o americano, pujante da sua força económica e militar, confiante de que o período que se seguiria seria o da pax americana.

Em poucas palavras, a velha ordem mundial acabara. Um pouco como o New Deal que Roosevelt aplicara na frente interna na década de 1930, os norte americanos exigiam agora uma nova distribuição de cartas e de oportunidades para a sua expansão mundial e o consequente fim dos impérios europeus. O resultado foi a concessão de vinte novas independências, mas tenha-se a atenção de notar que elas envolveram 29% da população mundial. Foi o período do século em que proporcionalmente mais pessoas se tornaram cidadãs de novos estados independentes.

Ainda em tempo de guerra, a periférica Islândia europeia, tornara-se independente da Dinamarca (1944). Mas foi à volta da Ásia que quase tudo se passou. Praticamente toda ela se tornou independente nesta década: começando pela Índia e pelo Paquistão (1947), que foram os casos mais importantes, e caminhando para Leste encontramos a Indonésia (1949), a Birmânia e o Sri Lanka (1948), o Vietname, o Camboja e o Laos (1954), a Formosa (1949) e as Filipinas (1946); no Ocidente asiático, o resto dos países árabes também se transformaram em membros da comunidade internacional: o Líbano e a Síria (1946), o que arrastou por sua vez as independências dos países africanos de civilização islâmica, como a Líbia (1951), Marrocos, Tunísia e Sudão (1956). No Extremo Oriente, o aparecimento das duas Coreias em 1948 (Norte e Sul, e, já agora, também o caso similar dos dois Vietnames - 1954), pressagia o confronto ideológico que se irá travar, em paralelo com as lutas nacionais.

Os acontecimentos não se desenrolaram como os Estados Unidos previam. A remoção do poder tutelar dos impérios europeus, com a supressão de um intermediário incómodo, não simplificou a ligação entre a superpotência mundial e todos estes novos governos. Não apareceu nada que se assemelhasse a uma empatia natural entre eles, que os americanos previam que se produzisse naturalmente porque eles próprios, afinal de contas, também tinham sido uma colónia que se libertara da metrópole.

Do lado oposto, a União Soviética, equilibrara as relações de poder mundial, pelo menos ao nível militar, com a posse da arma atómica (1949). Consciente da sua condição de under dog[3] entre as duas superpotências, não esperou pela evolução natural das simpatias dos novos governos e, às exportações do bem estar material americano, respondeu com a exportação daquilo de que dispunha – uma ideologia.
Em 1949, os americanos assustaram-se. Além da perda do monopólio da arma nuclear e apesar de um auxílio continuado de mais de 2.200 milhões de dólares ao lado contrário, Mao proclamou a República Popular da China – um novo e colossal estado no campo socialista. Até em termos económicos, viu-se que livros, formação, doutrinação e enquadramento podiam ser mais rentáveis do que todas as toneladas de material militar fornecido. Mao (suprema ironia) passava revista às suas tropas em parada num jipe de origem americana (idêntica ao do resto do material que desfilava). Estava estabelecido o padrão para os próximos decénios: onde houvesse conflitos regionais (antigos e novos) ir-se-iam encontrar as superpotências por detrás de cada um dos contendores. Fosse no caso da Índia contra o Paquistão, fosse em Israel (independente em 1948) contra o resto dos países árabes.

Com os americanos a dirigir o Mundo, foi reconhecido aos povos asiáticos, neste decénio, a capacidade de auto governarem, fossem eles islâmicos, hinduístas ou budistas. Entre as antigas potências coloniais, houve quem se conformasse com as directivas de Washington (Reino Unido, Holanda), houve quem resistisse (França), mas o resultado final foi o mesmo. A surpresa e, talvez, a ingenuidade americana foi a de acreditar que o vazio de poder provocado por aquela retirada estava destinado a ser ocupado por eles próprios de uma forma natural. Em meados dos anos 50, já havia muitos dirigentes americanos que pensavam que a concessão das independências aos povos colonizados podia estar moralmente correcta, mas podia ser contraproducente em termos geoestratégicos.

E do Mundo colonial só restava África...

[1] A sabedoria política obriga-o, um trocadilho com a expressão noblesse oblige.
[2] Pirro, general da Antiguidade, famoso por ter derrotado os romanos, mas a um custo tal que lhe retirou quaisquer possibilidades de prosseguir a sua ofensiva. O adjectivo pírrico aplica-se assim a situações semelhantes, em que os custos da vitória deixam o vencedor numa situação muito pior à existente antes da Guerra.
[3] Expressão coloquial da língua inglesa utilizada para exprimir uma posição subalterna.

1 comentário:

  1. Aqui temos um bom exemplo da visão e da boa escolha dos países a apoiar, na política externa dos EUA! Com tantos tiros nos pés é extraordinário que teimem (e consigam!) continuar na mesma linha!

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