01 fevereiro 2020

QUERIDOS, ARRANJEI UM PLANO DE PAZ PARA O MÉDIO ORIENTE!

Só quem conhece a história do Médio Oriente conhecerá a dimensão dos esforços diplomáticos que foram ali investidos ao longo de décadas para a resolução do problema da convivência entre árabes e judeus. O problema é extremamente complexo, envolve, para além de Israel, quatro países árabes que com ele fazem fronteira (Líbano, Síria, Jordânia e Egipto) e ainda os próprios habitantes árabes que, em Israel e nos territórios por ele ocupados, coabitam com os israelitas. E depois há ainda os outros países árabes que, por razões históricas e variadas, também pretendem ter algo a dizer sobre o assunto como a Arábia Saudita, o Iraque, os países petrolíferos do Golfo, etc. Só quem conhece essa história e as suas nuances, aprendeu através dela, a precaução de não ser demasiado ribombante por ocasião de novas cerimónias de assinatura de acordos, já que os que foram firmados pelas partes interessadas naquela região têm a tendência para deslaçarem pouco tempo depois de serem solenemente firmados, pela pro-actividade dos múltiplos interesses afectados. Mas, por esta vez, consigo endossar a Donald Trump o cumprimento de ser o protagonista de um acontecimento que nenhum presidente americano realizara antes dele: pela primeira vez, na Casa Branca, houve a coragem de dar-se o nome de plano de paz a um documento de 181 páginas que bem poderia ser o script de um daqueles concursos de televisão, estilo querido, mudei a casa! ou pesadelo na cozinha. A apresentação esteve à altura: o plano de paz seria para ser aceite por duas partes e uma dessas partes primou pela ausência. Mas, como diria a Teresa Guilherme (que não destoaria na ocasião ao lado de Trump e Netanyahu): isso agora... não interessa nada! Ou, na versão Trump, os árabes são capazes de estar um bocado aborrecidos agora mas vão acabar por se conformar. «We'll see what happens» (normalmente não acontece nada, mas ninguém tem coragem de confrontar Trump com isso). A atitude do autor do script, Jared Kushner (que é genro de Donald Trump e que decerto estudou aprofundadamente o problema israelo-palestiniano...), nas entrevistas que deu a cadeias de TV como a CNN ou a al-Jazeera, foi a de explicar o seu texto, deflectindo as perguntas incómodas, com a explicação que ele não concordava com as premissas dos jornalistas, e por isso dizendo o que lhe apetecia sobre um outro assunto; e, por outro lado, culpando os dirigentes árabes por não se disporem a aceitar o espectacular plano que ele engendrara, que aparentemente, e pela satisfação manifestada por Netanyahu, concede à parte israelita quase tudo aquilo que ela deseja. Como acontece com os dois concursos que citei, não interessou esmiuçar a razoabilidade das propostas, assim como não interessa investigar se os berros e as sugestões do mestre-cuca do pesadelo na cozinha tiveram algum impacto na qualidade da comida e no aumento da freguesia do restaurante; também não vi qualquer interesse dos proponentes em discutir a evolução do plano ao longo do tempo, assim como no querido, mudei a casa! ninguém lá vai dali por seis meses constatar que os cortinados já desbotaram e que o papel de parede descolou. Este não irá ser o primeiro plano de paz para aquela região a fracassar, mas não me lembro de outro a ser apresentado de maneira tão pueril.

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