23 fevereiro 2020

E EU QUE GOSTAVA TANTO DE DIZER MAL DELE...

Uma visita às páginas on-line do Observador, e tantas são as evocações a propósito da morte de Vasco Pulido Valente que parece que estamos a ver uma réplica (em azul-claro) da edição especial (a vermelho) do Avante que foi publicada na ocasião da morte de Álvaro Cunhal. É uma daquelas analogias que é, ao mesmo tempo, contrastante, e em que os admiradores dos dois defuntos se detestarão ver comparados. Mas, embora não seja o Vasco a escrevê-lo, faz todo o sentido. Aquilo que se costuma designar por culto de personalidade tem destas coisas: é ecléctico e não existe apenas quando gostamos de o arremessar aos outros...
E, não por coincidência, assisto agora a todas estas manifestações de pesar pela morte de Vasco Pulido Valente com a mesma sensação de alheamento e distanciação que me lembro ter tido com Cunhal em 2005. Os encómios e as proclamações a que o Observador tanta ressonância agora dá resvalam na mesma indiferença que senti pelas manifestações dos comunistas. Sempre considerei que ambos gozavam de famas imerecidas e que essas famas só se sustentavam por patrulhas activas de admiradores (cortesãos) que se encarregavam de confrontar as vozes críticas. Que eram muitas, as vozes, assim como eram muitas as razões pelas quais eram criticados. E eram merecidas, sobretudo.
No caso concreto actual de Vasco Pulido Valente, as suas aparições assemelhavam-se a um produto de marketing, com as indispensáveis fotografias com resmas de livros por detrás. Quanto ao que escrevia, elogiando-se-lhe o estilo, faltava-lhe a consistência, cometia erros de palmatória para arranjar argumentos em prol das opiniões que defendia, quando não mentia mesmo, descaradamente, para obter efeito. Tantas vezes o fiz tema de postes neste blogue que desconfio que vou sentir a sua falta. Numa dessas críticas, tratou os cortesãos de Cunhal por «patetas», não sei é se teve o distanciamento para perceber que os cortesãos que agora o elogiam no Observador são da mesma estirpe. Caridosamente, admitamos que sim.
Não resisto a acabar este texto com dois dos últimos exemplos de lucidez política de Vasco Pulido Valente. Que teriam enterrado a reputação de qualquer mortal. Mas Vasco é um imortal, embora de uma academia muito própria. Nem Ricardo Araújo Pereira conseguiu enterrar a sua reputação. Ele, que costumava ser tão mau para os seus compatriotas, mas que sempre dispôs de um grupo muito selecto e petulante entre eles que sempre o protegeu e o teve em alta consideração. O problema, agora que morreu, é a consideração que merecem os que o tiveram, e quererão manter, suponho, nessa alta consideração...

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