26 abril 2024

ZERO DE ABRIL

(Republicação destacando o 10º aniversário de um daqueles costumeiros disparates de Vasco Pulido Valente a que as/os groupies do sujeito davam grande publicidade, numa demonstração viva que o 25 de Abril também se fez para que os aldrabões das histórias recebessem uma promoção imerecida)
Muito mais instrutivo do que o título que a entrevistadora (Ana Sá Lopes) escolheu para a entrevista que fez a Vasco Pulido Valente acerca da forma como este terá vivido o dia 25 de Abril de 1974 (e os dias que se seguiram), será o exercício de comparar as declarações que ele ali lhe prestou com a visão que Maria Filomena Mónica dá desse dia e desses mesmos acontecimentos no seu livro Bilhete de Identidade (pp. 315-319). Ambos concordam ter passado o dia com o outro (Fui acordado de manhã e depois fui com a Maria Filomena Mónica para a rua. Fomos ao Largo do Carmo, andámos por ali. – ele – A 25, pelas dez horas da manhã, (o Vasco) chegou a minha casa. Dirigimo-nos para o Largo do Carmo. – ela). Ela mais superficial e evocativa do tempo ou do que vestia (…estava uma manhã cinzenta e com nortada. Lembro-me de ter saído de casa com uma camisa branca sob um casaco verde.), ele mais chão nesse tipo de memórias avulsas (...fui almoçar a um restaurante pegado ao elevador da Glória). Mas verificam-se algumas contradições evidentes nas duas histórias: Ela queria ir à PIDE, mas eu disse que era melhor não irmos. (…) Aquilo devia ter sido um ponto estratégico se o Movimento das Forças Armadas tivesse sido conduzido por alguém com alguma inteligência.... Maria Filomena Mónica ter-se-á marimbado para a hipotética inteligência estratégica do companheiro e tê-lo-á arrastado: Ao princípio da tarde, fomos até à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso. (…) reinava a paz dos sepulcros.

Mas o mais estranho que terá escapado a Maria Filomena Mónica foi o verdadeiro prodígio da electrónica realizado naquela tarde histórica de Abril, quando Vasco Pulido Valente voltou ...para o carro e consegui(u) ouvir – porque se ouvia nas telefonias dos carros – a banda de rádio da GNR. (…) O comandante a dizer: «É melhor acabarmos com isto senão isto ainda vai dar uma chatice.» Vasco Pulido Valente considera esta última frase inesquecível. Eu considero – para além da coincidência do Vasco ter apanhado a parte mais sumarenta do diálogo – todo o processo da escuta tecnicamente brilhante. Basta pensarmos como Garcia dos Santos teria andado no quartel da Pontinha a montar um complexo sistema de intercepção de comunicações para aquele dia, quando o Vasco Pulido Valente lhe poderia ter resolvido boa parte do problema só com o rádio do carro… Para além da verosimilhança, a versão daqueles dias escrita por Maria Filomena Mónica tem a vantagem de ser, não só mais desenvolvida, mas também intelectualmente mais modesta (Os dias que se seguiram foram passados na companhia do Vasco, tão surpreendido quanto eu com o que se estava a passar) e de ser ilustrada com uma fotografia (tirada pela Micuxa Galvão Teles) de uma honestidade simbólica: nela se vêem os dois a zero, coscuvilheiros, com Vasco Pulido Valente apropriada e simbolicamente nos bicos de pés atrás da multidão, a tentarem ainda assim perceber o que se estaria a passar.
Tomando por inspiração aquilo que Vasco Pulido Valente diz(ia) que devemos aos capitães de Abril, também aquilo que ele narra(va) sobre a forma como vive(ra) aqueles dias é de fidedignidade zero - como quase tudo o que Vasco Pulido Valente escrevia, de resto...

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