27 fevereiro 2020

AGORA QUE JÁ NINGUÉM QUER FALAR MAIS DE VASCO PULIDO VALENTE

É que vale a pena rematar o assunto. A opinião mais equilibrada a seu respeito que li foi esta acima, assinada por João Miguel Tavares, aparecida no Público. Esclareça-se, em parêntesis, que por detrás desta minha escolha não li muitas outras opiniões, já que a esmagadora maioria das que fui encontrando foram por mim eliminadas preconceituosamente, logo pela leitura dos títulos. Mas, mesmo sobre esta opinião que elegi, de um universo que não primará pela objectividade, discordo dela logo pelo conteúdo das primeiras frases do primeiro parágrafo. Parece consensual que Vasco Pulido Valente escrevia muito bem. Mas é muito importante conjugar isso com a constatação de que Vasco Pulido Valente não se dedicou à ficção. E podia tê-lo feito. Se se tivesse dedicado à ficção, então o que aconteceria no castelo de Hogwarts do Vasco (e ele escreve muito melhor que J.K. Rowling), não tinha sido contestável por aqueles que o lêem. E acredito que ele poderia ter sido um aclamado romancista. Mas não foi. Acontece que aquilo que o tornou conhecido do grande público foi por escrever a respeito de tópicos de não ficção (que por vezes ele transformava em ficção, mas não nos precipitemos...). Ora, quando se está a escrever a sério e sobre assuntos sérios, e em discordância frontal com aquilo que João Miguel Tavares acima nos tenta convencer, a incoerência dos argumentos e a imprecisão das análises é um detalhe principal. Pelo menos tão principal quanto a habilidade artística como o texto é redigido.
Tomemos para comparação, as competições da patinagem no gelo, onde os patinadores são classificados simultaneamente com uma nota artística e com uma nota técnica. A classificação resulta do somatório das duas. Que sentido faria, como João Miguel Tavares pretende acima defender, que apreciemos um patinador apenas pela extrema graciosidade como ele se movimenta ao som da música (nota artística), enquanto nos procuramos esquecer que ele passou uma boa parte da sua actuação sentado, com o cu no gelo?... Isso não faz qualquer sentido. A não ser que (e aqui perder-se-á em parte o sentido da analogia) a figura do patinador (Vasco Pulido Valente) dispusesse de um tal ascendente sobre os seus leitores/admiradores, que estes não se sentissem competentes para o avaliar nos vastos campos do saber sobre os quais ele discorre - ou seja, ele tanto podia patinar sentado, de gatas ou em pé que o público, ignorante para apreciar o seu desempenho, batia palmas à mesma. Ou seja, para a imagem promovida de Vasco Pulido Valente, não era importante saber que assuntos ele verdadeiramente dominava, o que era importante era que as imagem que o promoviam mostrassem que ele lera muito, às vezes o mesmo livro duas vezes para o perceber melhor... (nisso bem melhor que eu, pelo menos, que só o havia lido uma vez) Contudo, é bom que nos entendamos quanto ao que está em causa: é muito difícil ao leitor comum competir no campo dos conhecimentos adquiridos com alguém que é um intelectual, comprovadamente inteligente e com uma vida inteira de estudo por detrás de si. Normalmente, numa maioria de tópicos, uma pessoa com esse perfil sabe muito mais do que a maioria. Só que, e em contraste, também é verdade que Vasco Pulido Valente era daqueles que se atrevia a escrever sobre tudo: do cocó à bomba atómica. E por isso expunha-se. E, falando pela minha experiência, sempre que o apanhei a escrever sobre assuntos em que ele se expunha e eu me sentia confortável, o resultado era fatal: as suas opiniões eram um chorrilho de asneiras, quando não mesmo invenções completas. Não tenho competência para o aferir no caso do que terá ou não feito Paiva Couceiro (aí o Vasco Pulido Valente pode inventar à vontade), mas no caso da invenção de uma entidade política mítica da Antiguidade chamada Germânia, isso tenho!  
Vasco podia permitir-se isso porque a nossa cultura local, como ele de resto enfatizava, não dá valor à qualidade e ao rigor, à substância em vez da aparência. Por isso, e voltando ao texto inicial e a João Miguel Tavares, não. Não se trata de um «detalhe secundário». Para esconder as insuficiências disseminadas, pretender-se-á é que passe por um detalhe secundário. Mas concordo com quase tudo o resto do que João Miguel Tavares escreveu, nomeadamente a passagem em que ele considera quanto Vasco Correia Guedes «influenciou uma geração inteira de colunistas, sobretudo à direita». Influência em quase tudo, na autoconfiança como se opina sobre tudo e também na forma como se aceita a superficialidade e a falta de rigor no tratamento de assuntos que não deveriam ser assim tratados. 

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