22 dezembro 2022

PONHAM, AO MENOS, UM TOSTÃO NA VOSSA INDIGNAÇÃO...!!!

Aqui há coisa de uma semana e meia, circulou pelo Mundo um pequeno episódio ocorrido no parlamento da Nova Zelândia em que, no período de perguntas à primeira-ministra (Jacinda Ardern), esta se deixou descair (ainda com o microfone ligado), com um comentário desdenhoso («arrogant prick») em relação ao deputado que acabara de a questionar. Às vezes acontece - aprecie-se um outro exemplo em Londres ainda há quatro anos e há quatro primeiros ministros atrás!... Regressando à Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que é tratada como uma espécie de querubim da comunicação social mundial, lá pediu desculpa publicamente ao visado e o episódio estaria agora encerrado não fora o último remate em módulo de humor: por ideia do insultado foi emitido e emoldurado um certificado oficial da acta da sessão parlamentar do insulto, acta que foi assinada pelos dois (na foto abaixo). E o certificado acabou por ser leiloado numa sessão de angariação de fundos para financiar as investigações para o tratamento do cancro da próstata*. Foi arrematado por NZ$ 100 000 (o equivalente a € 59 000), conforme se pode ler na notícia do Diário de Notícias de hoje. Aparentemente um bom destino para um insulto. E houve quem se dispusesse a pôr dinheiro na questão.
O clima e o desfecho benemérito que acabámos de descrever, pode ser apresentado em contraste com o insulto de um outro primeiro-ministro, num país nos antípodas do de Jacinda Ardern. Foi António Costa (pois claro!) que, também há coisa de uma semana, deu uma entrevista em que, aí já voluntariamente e sabendo que o microfone estava ligado, deu voz a uma opinião muito desagradada e também muito desagradável a respeito, não de um, mas dos membros em geral da oposição liberal («queques que guincham»). Seguiu-se a indignação institucional (abaixo, João Cotrim de Figueiredo e o Observador), mas sem que o primeiro-ministro português, nesse caso, apresentasse quaisquer desculpas. E é aqui que se vê a diferença entre aquilo que se pode aprender vindo do exterior, e as manifestações exuberantes mas inconsequentes da nossa sociedade civil e redes sociais, já que estes últimos não dão um tostão para tanta indignação! Que tal os «queques», mais o seu empreendedorismo liberal, tomarem a iniciativa de promoverem um leilão de chamuças hiperpicantes, cuja receita reverta para as vítimas das recentes cheias em Lisboa? Tanto mais que o próprio primeiro-ministro reclama ter sido uma dessas vítimas...
* Parece-me ter havido uma subtil ironia na escolha da causa. O cancro da próstata é uma maleita exclusivamente masculina. E o insulto escolhido por Jacinda Ardern (prick - literalmente, pénis) conteria também uma acusação implícita de machismo, aqui confrontada com o financiamento de uma doença que ataca exclusivamente os homens.

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