A minha evocação dos 50 anos do massacre de Wiriamu acabou sendo atropelada pela concorrência de vários jornais. É nestas circunstâncias que eu me lembro de uma simpática frase proferida por Carlos Magno, quando ele era presidente da ERC há seis anos: (o chamado) «jornalismo do cidadão é uma treta». Foi dessa imbecilidade que eu me lembrei ontem quando, a respeito precisamente da evocação do massacre de Wiriamu, vi os jornais a tentar explorar o assunto para além das trivialidades do costume, no caso muito bem representadas por mais umas coisas, expectáveis, que o presidente Marcelo disse, como se pode ler no Público (Marcelo diz que "é tempo de assumirmos Wiriyamu"). Continuando a ler esse mesmo jornal, o editorial do director é outro truísmo perfeitamente antecipável: «Meio século depois, Wiriyamu foi assumido». Mas há um artigo especialmente dedicado ao tema, da autoria de um jornalista da casa (António Rodrigues). «O que se faz com o reconhecimento oficial de Wiriyamu 50 anos depois do massacre?» Um artigo mediano: explica o que aconteceu. E para satisfação daqueles, como eu, que já sabem o que aconteceu?... Os dois artigos que me pareceram mais interessantes e aprofundados a respeito do tema, não sendo do estilo «jornalismo do cidadão» acima verberado por Carlos Magno, não têm nada a ver com o «jornalismo do jornalista» que, implicitamente e por contraponto, deveriam servir de padrão de qualidade na opinião do então presidente da ERC. O artigo de Pedro Aires Oliveira (que, para além de cidadão, é historiador), faz um interessante spin ao tema e recentra-o na pessoa do padre Hastings, aquele que conseguiu a proeza de, mais de sete meses depois do massacre, trazer o assunto para a primeira página da capa do influente jornal inglês The Times precisamente nas vésperas da visita de Marcelo Caetano ao Reino Unido, afundando-a do ponto de vista de relações públicas. Da sua leitura vem-se a descobrir o quão interessante era a pessoa do padre e qual era a sua agenda, que isto de pessoas impolutas de um lado e vilões do outro é só para os enredos das histórias infantis. Também muito interessante é um outro artigo resultado de uma entrevista ao coronel Matos Gomes (que, para além de cidadão, foi militar e é escritor), só que neste caso a minha reacção vai para a surpresa da atitude desculpabilizadora que é assumida por Matos Gomes em relação aos autores do massacre. As «tensões no sistema» poderão servir de elemento atenuante no julgamento dos factos, mas a verdade nua e crua é que os elementos da 6ª companhia de comandos mataram pelo menos centena e meia de aldeões desarmados sem que se compreenda uma razão para tal. A solidariedade pode passar por uma virtude simpática - Matos Gomes é um comando tal como os autores do massacre, prestou serviço em Moçambique, poderá conhecer alguns dos envolvidos pessoalmente - mas ele há ocasiões, e esta é uma delas, em que esperamos outra lucidez das pessoas. Em resumo, e para voltar ao princípio da conversa e às frases de Carlos Magno sobre jornalismo, experimentem deixar de noticiar as coisas que Marcelo diz e de publicar editoriais de director que nada acrescentam, e não se surpreendam que ninguém mostre sentir falta disso...
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