«Numa noite de pavor, a explosão de duas bombas provocou em Dublin a morte de duas pessoas, ficando feridas cerca de duzentas. Os atentados ocorreram no centro da cidade quando o Dail (o parlamento) se preparava para votar as propostas governamentais visando o Exército Republicano Irlandês (IRA). As notícias do derramamento de sangue, do pânico e terror, modificaram a atitude do principal partido da oposição que deixou de contrariar a legislação proposta pelo Governo de Jack Lynch. O resultado da votação na Câmara de 144 lugares foi de 70 votos a favor e de 23 contra. A nova legislação determina que um suspeito de pertencer a organizações clandestinas tenha de provar em tribunal que as suspeitas são infundadas, em vez de ser o Ministério Público obrigado a provar a culpabilidade dos réus. Entretanto, tanto o IRA Provisório como o Sinn Fein afirmaram que nada tinham a ver com os atentados, atribuindo-os a agentes secretos ingleses.»
Foi há precisamente cinquenta anos. Por aquela vez, aqueles que eram tradicionalmente descritos como os terroristas - o IRA e o Sinn Féin - estavam a dizer a verdade. A razão para que os serviços secretos britânicos estivessem por detrás da colocação daquelas bombas estava à vista de todos. Tanto assim que até uma pequena peça jornalística como a que acima se transcreve a explícita: condicionar o voto dos TDs do parlamento irlandês na aprovação de legislação que tornaria mais difícil a vida aos seus adversários. Estes (os operacionais do IRA) foram, aliás, prestabilíssimos a auxiliar as investigações da polícia irlandesa para descobrir quem perpetrara os atentados. Em escassas semanas descobriu-se que os operacionais que haviam colocado os engenhos (automóveis armadilhados) eram militantes da UVF (organização lealista do Ulster). Por detrás deles adivinhava-se a assessoria dos serviços secretos britânicos, muito mais difícil de provar (já que são assim as operações clandestinas bem montadas...) Além do impacto político e noticioso primário, Londres passara um recado discreto a Dublin: o IRA não podia operar na, e a partir da, Irlanda (do Sul) com a liberdade que o governo irlandês lhe havia concedido até aí. Senão a tensão alastrar-se-ia... Os profissionais do outro lado tomaram boa nota daquele recado. As actividades do IRA perderam a indulgência (ostensiva) de Dublin. A opinião pública irlandesa, contudo,teve que esperar 32 anos, até à publicação do Relatório Barron em Novembro de 2004, para que houvesse um reconhecimento oficial da parte irlandesa quanto ao jogo sujo que os britânicos haviam praticado. Nessa época (2004) a noite de pavor em Dublin já era uma recordação antiga e o Sinn Féin uma respeitável formação política legal em qualquer das duas Irlandas.
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