«Passear pelas ruas estreitas de Praga dá fome. E que melhor maneira de encerrar um passeio turístico do que com uma típica iguaria local? Que tal um “trdelník”? Vire-se para onde se virar na capital checa hoje em dia e é provável que esteja a ver uma barraca que vende esse doce de nome impronunciável. Conceba-a como uma massa dinamarquesa cruzada com frango assado: a massa doce é enrolada num espeto de metal e é teatralmente girada lentamente sobre o carvão brilhante até dourar, e depois mergulhada numa mistura de nozes e açúcar. A “velha especialidade boémia” que nos é assim anunciada pelo vendedor aquece as mãos em um desses passeios de inverno, enquanto no verão pode ser usado como invólucro de sorvete. De qualquer maneira, por alguns minutos saborosos, podemo-nos imaginar um burguês de uma Praga medieval, deliciando-nos de boca doce enquanto passeamos pela Ponte Carlos. Dobrou chut!»
Na verdade, e como o próprio autor do artigo se encarrega de explicar, tudo o que aparece acima é uma grande treta. E neste caso até eu próprio me sinto em condições de confirmar: quando visitei Praga no Outono de 2003 não me deparei com nenhum «trdelník». Como o colunista da The Economist explica nos parágrafos seguintes, o tal de trdelník é uma tradição de Praga que não tem mais de uma década. E, além disso, nem sequer é originário de Praga. E depois segue-se um desfiar de artigos tradicionais da gastronomia europeia que tem histórias muito mais recentes do que aquilo que se poderia pensar, como a ciabatta, o pão italiano que tem apenas 40 anos. Foi inventado em 1982 para rivalizar com a baguete francesa. Ou as cervejas belgas de forte teor alcoólico - duplo, triplo, quádruplo - que se explicam porque as tabernas naquele país foram, desde 1919, proibidas de vender aguardentes. Daí puxarem pela cerveja. Ou o fondue suíço, um prato aparentemente ancestral, mas popularizado apenas a partir da década de 1930, quando a quebra do comércio mundial e das exportações de queijo suíço, obrigou os produtores suíços a promover o consumo doméstico dos seus stocks. E o artigo menciona ainda mais dois ou três exemplos - como o creme irlandês (Bailey's) que, inventado em 1973, é dado como «mais novo do que Liam Gallagher» (dos Oasis). Mas a minha nota vai para uma especialidade portuguesa que lá não aparece e que encaixa perfeitamente nestas descobertas gastronómicas do século XX: a francesinha. Aqui, como acontece com o trdelník inicial, também tenho uma perspectiva pessoal da história: por muito que lhe queiram conferir uma antiguidade de 70 anos, a popularização da sandes só começou de há uns 25 anos para cá.
Sem comentários:
Enviar um comentário