07 junho 2020

VINHO VERDE MURALHAS

Aqui há uns dias bebi uma destas garrafas de vinho verde Muralhas em memória de um amigo, recém falecido, que muito o apreciava para empurrar marisco. Foi uma das vítimas colaterais do confinamento, embora não propriamente da covid-19. E ao evocá-lo na memória, assumi uma das minhas derrotas, a de jamais o ter conseguido persuadir que o Maio de 1968 não apenas tivera uma importância histórica diminuta, como no fim fora ganho pelos gaullistas no poder - na rua e nas urnas. Para esse meu amigo, que em Maio de 1968 tinha 20 anos, representara algo de muito simbólico e significativo, capaz de ombrear mesmo com a revolução francesa, não tivesse ele então vinte anos... Mas a verdade é que os cinquenta anos desde então transcorridos não o levaram a mudar de opinião e foi com essa opinião errada que morreu. E é assim que eu a ele lhe devo ter aprendido um fenómeno que os tempos modernos revelaram e continuam a revelar todos os dias, sobretudo aqui pelas redes sociais: a de que muitas convicções que se formam e se exprimem emanam sobretudo do domínio do religioso e muito menos do científico. Durante muito tempo, atribui-se esse absurdo à falta de formação e cultura das pessoas. Mas nestes tempos modernos essa explicação faz cada vez menos sentido. As pessoas recebem cada vez mais formação, e têm acesso a muito mais informação, mas descartam-na. A formação serve-lhes, muitas vezes, apenas para elaborar de forma mais sofisticada o primarismo das convicções que elas já trazem formuladas de antemão. O que acabamos por nos lembrar ao saborear uma garrafa de Muralhas!

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