23 junho 2020

O RELVAS E OS OUTROS TODOS QUE FAZEM CADEIRAS COMO ELE AS FAZIA

Recentemente, e a propósito das notícias do derrube em Washington de uma estátua de um general confederado que eu não fazia a mínima ideia quem fora e que deu pelo nome de Albert Pike (1809-1891), telefonei a um amigo que tem o hobby da Guerra Civil Americana e uma vasta biblioteca a respeito do tema. O Pedro é o tipo de pessoa que nos consegue nomear os oito generais e os vinte e cinco tenentes-generais do lado da confederação durante aquele conflito. As informações sobre o homem e a estátua estão disponíveis na wikipedia, mas o que eu queria saber era todo um resto, aquilo que faz valer a pena ter aulas quando os professores são bons e, sobre um determinado tema, nos podem formar uma impressão mais abrangente e esclarecida do que apenas aquilo que está escrito nos livros. No caso, fazia todo o sentido, porque, antes das causas para o seu derrube, há que considerar que há algo de bizarro no facto de existir uma estátua de um antigo general confederado na capital da União, ainda para mais quando essa estátua foi erigida em 1901, ou seja, 36 anos depois do fim da Guerra Civil americana. Com a aula, aprendi que Pike nasceu em Boston, Massachusetts (a quintessência do unionismo), mas emigrou ainda novo para o Arkansas e que ficou do lado dos confederados quando da Secessão de 1861. Considerado especialista na relação com os índios, comandou um destacamento de cavalaria composto precisamente por índios, mas revelou-se um general medíocre. Quanto à questão do que terá suscitado a erecção de uma estátua à sua pessoa na capital do inimigo e em data tão tardia, tratar-se-á de uma coisa maçónica, mas isto é apenas e necessariamente uma síntese. O que é interessante aqui é transpor o episódio, e a curiosidade que ele despertou, para estes novos tempos de redes sociais e imaginar o número de comentadores que se consideraram qualificados logo com a leitura da(s) página(s) da wikipedia. Aqui há uns anos, foi motivo de paródia a maneira como Miguel Relvas obteve uma licenciatura sem fazer exames, em que a aprovação nas cadeiras era-lhe concedida por equivalências. Em muitos exemplos que tenho apreciado, a leitura da página(s) correspondente(s) da wikipedia parece ter sido elegida como um processo semelhante de fazer cadeira(s). O resultado é que ele é só Mestres e Doutores virtuais espalhados por essas redes sociais, especializados nos mais variados ramos do conhecimento. Anteontem não sabiam nada do assunto, mas, pela mesma arte das equivalências que licenciou aceleradamente Miguel Relvas na Lusófona, não se nota falta de opiniões qualificadas por aí. Nos últimos meses, a cadeira de infecciologia, por exemplo, tem sido ministrada assim, se atentarmos à profundidade como lemos tantas opiniões sobre a covid-19 e as formas de a combater. (Um parêntesis com um caso concreto, só para recordar uma galga de António José Teixeira de há três meses e meio, quando insistia que a mortalidade da covid-19 era inferior à da gripe comum, algo que tem vindo repetidamente a ser desmentido e de que ele, por acaso, nunca se retractou.) Vai estudar, oh Teixeira! Mas não é só ele que devia ir estudar.

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