28 de Junho de 1980. O PCP fazia-se porta voz da indignação popular pel«a entrega do sector cervejeiro ao capital privado» - «um escândalo nacional». A nacionalização do sector das "bejecas" fora desencadeada em pleno Verão Quente, através do Decreto Lei 474/75 de 30 de Agosto, e constitui ainda hoje uma das mais interessantes peças de museu dos excessos, porventura generosos, mas disparatados do gonçalvismo rumo ao socialismo do PREC. Ao contrário dos critérios evocados em Março de 1975 a respeito dos sectores considerados estratégicos serem detidos pelo Estado e porquê, como haviam sido os casos da banca ou dos seguros, as fundamentações que se podem ler naquele diploma do V Governo Provisório para justificar que as cervejeiras passassem a ser controladas pelo Estado consistiam em:
a) porque a indústria era altamente lucrativa («...a indústria cervejeira sempre constituiu um sector altamente lucrativo...»)
b) porque era uma indústria em expansão («...tendência expansionista do sector ultimamente verificada...»)
c) porque se pretendia coordenar o consumo de cerveja com o de vinho(!) («...conjugar a política cervejeira com a vinícola...»)
d) e porque a indústria gerava "cash-flow" (dinheiro!) («...o sector cervejeiro constitui uma importante fonte de acumulação...»)
Ou seja, concludentemente, as cervejeiras foram nacionalizadas porque davam dinheiro e por isso era melhor que ele fosse para o Estado do que para o bolso dos capitalistas! Mas até isso deixou de ser problema passado um ano: as cinco empresas nacionalizadas deixaram de dar lucro para passar a dar prejuízo! Dois anos e meio depois as cinco empresas foram fundidas em duas grandes empresas: a Unicer e a Centralcer. Só não consegui identificar o responsável a quem devemos agradecer o facto de, nessa reorganização, se ter preservado o aspecto concorrencial do sector: o Norte (Unicer) contra o Sul (Centralcer); a SAGRES contra a SUPER BOCK! É nesta segunda fase que vamos apanhar a indignação comunista no Diário de Lisboa de há quarenta anos. Como acima se pode ler, a fabricação de cerveja era, para o PCP, «um sector básico da Economia». Na sua concepção, para a classe operária e o povo trabalhador, a mine de 20 cl fora uma conquista de Abril, em substituição do tradicional penalti que dera o pão a um milhão de portugueses nos tempos do fascismo! Aquilo que o povo bebe não pode ser entregue aos capitalistas!
Quase cinco anos depois da nacionalização inicial, e por um mesmo empenho generoso e disparatado só que de sinal contrário, o VI Governo de Sá Carneiro propunha-se então revertê-la, enquanto o PCP se escandalizava contra «a pretensão do Governo Sá Carneiro de entregar a exploração das duas empresas públicas cervejeiras ao grande capital». Na verdade, em décadas de propaganda não me lembro dos comunistas se referirem neste contexto ao capital de outra forma senão como grande(!). Mas a verdade era que, sendo uma excelente peça de propaganda (e por isso o Diário de Lisboa a promovia...), todo este ultraje dos comunistas era desnecessário porque a intenção governamental era prematura: havia os limites constitucionais que impediam que a privatização do negócio da «jola» tivesse suporte legal e tudo ficou como dantes. Só dali por dez anos, em 1990 é que as duas empresas foram privatizadas, a Unicer primeiro e a Centralcer depois. O processo da privatização total da primeira daquelas empresas viria até a ocorrer, por coincidência, precisamente dez anos, dia por dia, depois da data da notícia acima, a 28 de Junho de 1990, como se comprova pela notícia abaixo, ainda e sempre do Diário de Lisboa. Com o PCP a ser ainda contra a privatização, claro! Mas com o teor da notícia a ser um bocadinho diferente: os tempos estavam muito mudados e as fidelidades do Diário de Lisboa também...
Sem comentários:
Enviar um comentário