19 de Junho de 1990. Tem lugar em Moscovo a primeira sessão do congresso fundador do Partido Comunista da República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), um Partido Comunista Russo, por assim dizer. Ironicamente, tal fora a hegemonia dos russos dentro do omnipotente Partido Comunista da União Soviética, que nunca se pusera a questão da existência de um partido comunista dedicado especificamente a essa nacionalidade, ao contrário do que acontecia com todas as outras nacionalidades do império soviético. Com o aproximar da década de 1990, isso começara a fazer sentido, especialmente porque havia muitos membros do PC, se não mesmo a esmagadora maioria deles, que não se reconheciam nas reformas empreendidas a partir do topo da hierarquia, por Mikhail Gorbachev. Na lógica daquela coreografia rebuscada da disputa do poder nos países comunistas já civilizados (pós-estaline...), esta iniciativa de marcar um congresso fundador dos comunistas russos para esta data era uma maneira de tentar cortar a relva debaixo dos pés ao omnipotente Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que tinha um congresso (o 28º) marcado para começar dali a duas semanas, a 2 de Julho de 1990.
O congresso fundador deste primeiro Partido Comunista Russo (acima) contou com a presença de 2.768 delegados. Muito previsivelmente, o candidato endossado por Gorbachev foi esmagado nas votações para a sua liderança. Mas também já ninguém se lembra de quem veio a ser o líder eleito. A política soviética entrara num torvelinho onde se confrontavam várias facções, esta dos conservadores contra as reformas de Gorbachev, mas também a de Gorbachev contra as reformas ainda mais liberais de Yeltsin, mas ainda as opções pan-russas de todos estas três facções contra os vários nacionalismos secessionistas das nacionalidades do império (como as bálticas), que queriam a todo o custo abandonar a União Soviética o mais depressa possível. Em Setembro de 1990 houve uma segunda sessão do congresso onde se elegeu um comité central com 272 membros. Mas por essa altura já a organização se desagregara presa dos torvelinhos ideológicos (mas também nacionalistas) acima descritos: havia quem elegesse Gorbachev como o seu inimigo principal; haviam quem preferisse Yeltsin, outros escolhiam confrontar as nacionalidades dissidentes. Yeltsin, a pretexto do Golpe de Agosto de 91, liquidou o partido logo que teve oportunidade, no Outono seguinte. O Partido Comunista da Federação Russa, que foi fundado em 1993 e que continua a ser o maior partido da oposição na Rússia, reclama a sua herança dos dois partidos (soviético e russo).
E não deixa de ser engraçado apreciar a relação ambivalente de Vladimir Putin com a organização quando crítica as evocações saudosistas dos seus dirigentes no vídeo acima: «... sob a cuidadosa liderança do Partido Comunista a União Soviética deixou de existir. (aplausos) Claro que não há razão para ficarmos satisfeitos; seja bom ou mau, trata-se de um facto». O imperialismo russo já existia antes de Lenine, capturou a ideologia marxista-leninista dos bolcheviques e não desapareceu com Gorbachev.
Sem comentários:
Enviar um comentário