31 março 2022

O BALANÇO DAS BAIXAS DA WEHRMACHT

A 31 de Março de 1942 a Wehrmacht faz uma primeira compilação séria das baixas que sofrera na Frente Oriental desde o início da Operação Barbarossa, englobando já a difícil situação do Inverno russo. As baixas correspondem a 1.074.607, sendo 223.553 mortos, 799.389 feridos e 51.665 desaparecidos (o eufemismo consagrado pelos exércitos para os prováveis prisioneiros). Incluem 33.223 oficiais (1 em cada 32) e correspondem a cerca de 32% dos 3.360.000 efectivos alemães inicialmente engajados em 22 de Junho de 1941. São números pesados e corresponderiam ao vaticínio de uma derrota se, do outro lado, o número de baixas soviéticas não fossem estimadas no quádruplo ou quíntuplo destas baixas alemãs. Sobretudo e apesar dos sustos e provações, permanecia a sensação nos Altos Comandos alemães que a superioridade táctica e técnica e, por consequência, a iniciativa das operações, continuava do lado da Wehrmacht. A convicção era que a campanha preparada para o Verão e Outono de 1942 desferiria o golpe final no Exército Vermelho. Regressando ao presente, não sei se em Moscovo pensam a mesma coisa...

30 março 2022

NUNO ROGEIRO «ARMADO» EM VENDEDOR DA REMAX

Ressalve-se que o logotipo não deveria ser o conhecido balãozinho da imobiliária, mas antes este abaixo, da Thales.
A Thales é um logotipo menos conhecido porque pertence a uma empresa britânica que, em vez de casas, vende mísseis. Anti-aéreos.
Mísseis esses que, estando a ser utilizados na Ucrânia, Nuno Rogeiro se tem farto de gabar na sua página do facebook.
A imprensa britânica também não se cala com o míssil. Até parece que mais nenhum país está a fornecer armamento daquele mesmo género à Ucrânia...

O INÍCIO DA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL

30 de Março de 1922. O início da travessia aérea do Atlântico Sul foi um acontecimento muito noticiado: o Diário de Lisboa dedicou-lhe não apenas uma página inteira, mas ainda mais uma fracção apreciável de outra página com as últimas actualizações à hora da saída do jornal, por volta das 17H00. Nessa altura, já o hidroavião chegara a Las Palmas, nas Canárias. Sobre a partida, às 7H00 da manhã,  de Belém, a crónica de Norberto Lopes dá conta de um ambiente muito social, dominado por oficiais da Armada que vinham apoiar os seus dois camaradas, apesar da madrugada. Uma boa nota de rigor foi que as entidades que presidiriam à ocasião, os ministros da Marinha e das Colónias (também eles oficiais da Armada), se atrasaram e... ficaram a ver hidroaviões, porque o Fairey IIID descolou à hora prevista! Como se percebe, há um ambiente de entusiasmo a acompanhar o voo. Aproveitando-o, a Vacuum Oil Company compra uma página inteira da edição do Diário de Lisboa do dia seguinte para se promover, anunciando que fornece a gasolina do hidroavião! Porém, acentue-se que tudo se passa a um ritmo que hoje classificaríamos de alentejano. Depois do primeiro troço do voo, os aviadores iriam demorar três dias em Las Palmas, até o reiniciar em direcção à cidade da Praia, em Cabo Verde.

29 março 2022

O CANADA ACT

29 de Março de 1982. O Canadá tornara-se um Domínio em 1867, dispondo já então da maior autonomia possível em todos os assuntos domésticos. Em 1931, esse estatuto fora revisto, conferindo ao Canadá (e aos restantes Domínios britânicos) uma total independência política, mesmo em assuntos de política externa. O que restara dos vínculos entre o Reino Unido e o Canadá foram o monarca e questões formais, nomeadamente no que se refere à autonomia para que os legisladores procedessem a revisões constitucionais. Era desse direito de reserva, que o parlamento britânico ainda dispunha e de que agora abdicava, que tratava este Canada Act, assinado pela rainha Isabel II há quarenta anos. Uma curiosidade adicional é que, tratando-se de um documento canadiano, a rainha assinara um documento bilingue, em inglês e francês (acima). Ora um documento francês com valor legal era algo que não se via em Inglaterra desde meados do século XIV, quando o francês fora o idioma oficial do país. Haveria isto tudo para escrever a propósito da ocasião, mesmo para quem não quisesse fazer um comentário elogioso sobre a forma pacífica como se concluíra o processo de transição do Canadá até à soberania plena, mau grado os 115 anos que durara. Agora, leia-se abaixo como o Diário de Lisboa noticiava o acontecimento. Veja-se como escrever notícias se pode tornar numa actividade reles quando infectada por motivações alheias, neste caso a procura do escândalo fomentada pela ideologia.

28 março 2022

O «VEGETAL» DE QUEM AGORA NINGUÉM QUER FALAR...

«Ao longo da minha vida já fomos desde Eisenhower até George W. Bush. Já fomos de John F. Kennedy até Al Gore. Se isto é evolução, então acredito que daqui por doze anos, estaremos a votar numas plantasLewis Black, o autor destas frases, é um comediante norte-americano que, quando teve este ataque de presciência, na sequência das eleições presidenciais americanas de 2000, nem imaginaria o quanto viria a estar certo. Porque, doze anos depois e na impossibilidade de se ser um verdadeiro vegetal, a Casa Branca foi conquistada pelo que de mais acéfalo se poderia contemplar: Donald Trump. Donald Trump que, durante o seu quadriénio presidencial, teve imensos - e justíssimos - críticos, mas também apoiantes, fossem os que se exprimiam abertamente a seu favor, fossem os que se abstiveram de criticar o seu comportamento errático e irresponsável, conduta essa que veio a culminar com a primeira tentativa evidente de um golpe de Estado na América. Mais de um ano depois do acontecimento, e quanto mais se investigam os factos, mais se descobrem as ramificações do que parece ter sido uma verdadeira conspiração para anular os resultados de uma eleição democrática. E todavia... Ainda ontem, quando tentei recuperar os indissociáveis disparates proferidos pela pessoa do ex-presidente, junto de alguém que, durante o período áureo, se comportou como um daqueles trumpers passivo-envergonhados, obtive a resposta - conveniente mas não surpreendente - que Donald Trump passara à história... O mais engraçado é que se trata de alguém a quem já o ouvi a citar o famoso ditado de George Santayana...

«O MAIOR E MELHOR DE TODOS OS RAIDS»

28 de Março de 1942. Há 80 anos e com excepção da gigantesca Frente Leste, a Segunda Guerra Mundial tornara-se circunstancialmente muito mortiça porque nas outras frentes onde se combatia faziam-se pausas, quer em África, onde os exércitos do Eixo e dos Aliados se reequipavam diante da posição de Gazala na Cirenaica, quer no Extremo Oriente asiático, onde, depois de expulsar as diversas potências ocidentais das suas possessões das Filipinas, Malásia, Indonésia e Birmânia num quadrimestre, o Japão contemplava saciado o seu almejado perímetro de segurança e preparava-se para o defender. Mas o noticiário do dia (acima) rompia com tal placidez a propósito de uma alegada tentativa de desembarque britânica na costa francesa. Tratar-se-ia já do retorno ao continente como anunciava em Berlim o grande quartel general do Führer? A verdade é que, em Londres e como se pode ler mais abaixo, se mostravam reservados...
Este livro foi publicado originalmente em 1958. Comprei-o cerca de quarenta anos depois. E cerca de vinte e cinco anos depois dessa compra, quando o tirei da prateleira para scanar a capa e escrever este texto, ainda lá estava o marcador, precisamente antes do oitavo capítulo dos dezanove que ele contém, ali esquecido em expressão do meu desinteresse e desapontamento pelo que dele consta. Está lá aquele subtítulo da Pan Grand Strategy Series e não há ali estratégia alguma, quanto mais grande estratégia. São 270 páginas que são demasiadas para uma história de guerra, que até se poderia transformar num bom filme do género, e que pode ser compreensivelmente narrada em qualquer página desenvolvida da wikipedia. Nessa página, o raid britânico ao porto francês de Saint Nazaire de há 80 anos começa logo por precisar de justificar os seus objectivos (o que é um mau preâmbulo - ninguém precisa de explicar quais os objectivos da Operação Overlord, por exemplo...). E o objectivo foi o de bloquear a única doca seca francesa que seria capaz de acolher os grandes navios de superfície da Kriegsmarine. O objectivo foi conseguido - um antigo navio de guerra devidamente preparado para o efeito (foto acima), destruiu o acesso à doca seca. O dano só veio a ser reparado cinco anos depois do fim da guerra. O preço a pagar por esse sucesso é que foi elevadíssimo: dos 612 envolvidos na operação, apenas 228 conseguiram reembarcar (menos de metade dos efectivos), 169 morreram e 215, muitos dos quais feridos, foram feitos prisioneiros. Como se nota pela notícia do jornal acima e por este vídeo de época imediatamente abaixo, os alemães não tiveram qualquer dúvida em considerar o desfecho do raid como uma vitória sua.
Manda a imparcialidade reconhecer que a Kriegsmarine evacuara sub-repticiamente no mês anterior as suas grandes unidades de superfície dos portos da costa francesa (Operação Cerberus) e fizera isso precisamente porque considerava os seus grandes navios operacionalmente subaproveitados nesses portos além de vulneráveis a ataques britânicos. Tomando isso em consideração pode concluir-se que afinal o sacrifício dos comandos e marinheiros britânicos se destinou a impedir os alemães de usar um recurso de que eles já haviam decidido prescindir... Preparada com antecedência, esta Operação Chariot concretizou-se já depois de se poder perceber quanto era completamente inútil. Mas não faz mal porque os britânicos guardam o segredo de rodear os seus maiores fiascos com a maior fanfarra possível (aprecie-se abaixo o vídeo de como eles actualmente comemoram o acontecimento). Na época houve uma chuva de condecorações a distribuir pelos participantes, 89 no total, incluindo 5 VC (Victoria Cross, a mais elevada condecoração britânica). Para comparação e contraste, acrescente-se que no Dia D (6 de Junho de 1944) participaram 61.700 militares britânicos (100x mais do que neste raid) e apenas foi atribuída uma VC. Apetece ironizar, acrescentando que é uma pena que já tivessem gasto os heróis em operações inconsequentes como este raid...

27 março 2022

AS AVALIAÇÕES DOS "EMBAIXADORES" NUNCA SÃO PARA LEVAR A SÉRIO...

Já houve tempo em que isto que acima vemos era considerado mais do que despropositado, era mesmo  falta de educação, já que poderia ser considerado um insulto à inteligência do interlocutor. Agora, já não é assim tão censurável. Diluindo-a com uma nota prévia a que se chama disclaimer, o embaixador Seixas da Costa faz por nos dar uma opinião que se subentende distanciada, mas que - claro! - é francamente elogiosa do trabalho de cobertura da guerra da Ucrânia que está a ser feito pela estação de TV que o contratou para comentador. Agora vem a pergunta difícil: alguém o imagina a fazer precisamente o contrário, ou seja, invocando o mesmo disclaimer, informar-nos que considerava o trabalho que a mesma estação estava a realizar uma merda?... Não, pois não? E não será porque alguns episódios que por lá já ocorreram, não terem que se lhe diga... Então, poder-se-á perceber porque confiro ao embaixador Seixas da Costa a mesma credibilidade em endossos destes, que aquela que se atribui a António Sala sobre aparelhos auditivos, ele que também é embaixador da AudiçãoActiva!

À PROCURA DE UMA STALINEGRADO UCRANIANA

Quem já se dedicou a estudar alguma coisa sobre a Frente Leste durante a Segunda Guerra Mundial, sabe que os soviéticos - hoje russos - elegeram na sua mitologia vitoriosa o episódio da defesa da cidade de Stalinegrado como aquele que foi o grande momento de viragem das sortes da guerra. Stalinegrado, que se tornara uma cidade completamente destruída (acima, uma famosa fotografia do centro da cidade) e conquistada em ⅞ pelos invasores alemães, resistiu a estes últimos para lá do que seria militarmente racional. Há uma tremenda ironia em assistir agora a esses mesmos russos a criar condições para que possa acontecer precisamente o mesmo, não numa, mas em meia dúzia de cidades ucranianas (abaixo a fotografia é a do centro de Mariopol). Como acontecera com os episódios de resistência aos invasores alemães no primeiro caso, os russos parecem estar a trabalhar a longo prazo para criar uma hostilidade fundamentada entre os ucranianos e eles, daquelas que demora gerações a sarar, até mesmo entre aqueles ucranianos que se exprimem em russo, como é o caso da maioria dos habitantes do Leste da Ucrânia, onde se situam todas aquelas cidades-alvo da ofensiva russa, transformadas em candidatas a cidades-mártir da causa ucraniana.

O ANIVERSÁRIO (COMPLETAMENTE ESQUECIDO) DO BENFICA

A 27 de Março de 1932, um domingo como hoje, o Diário de Lisboa dedicava toda a sua primeira página às comemorações do 28º aniversário do Benfica, uma efeméride a que, por muito benfiquismo que continue a grassar na comunicação social, actualmente não se presta a mínima atenção.

26 março 2022

«OPÇÕES DIFÍCEIS» (MAS MUITO CLARAS)

A invasão russa da Ucrânia foi mais um pretexto para o país dos opinadores se dividir noutro Benfica e Sporting. Divisão essa que se realça com o aparecimento de uma nova figura mediática chamada generais comentadores que, aparentemente, torcem todos pelo mesmo clube. Já aqui considerara a classificação excessiva. Em primeiro lugar porque nem todos os generais torcem pelo clube da Rússia. Em segundo lugar, compreendo-os, porque há razões para que os generais com o perfil dos nomeados tenham tendência para ficar formatados para torcer pelo lado (russo) que escolheram. E em terceiro lugar, porque creio que é a comunicação social que selecciona precisamente aqueles generais que lhes dão maior garantia de polémica. Porém, admitindo tudo isto, e absolvendo-os com isso da sua parcialidade congénita, isso não me parece razão para ser absolutamente indulgente com tudo o que eles dizem e escrevem. Como será o caso do general Carlos Branco, num texto de ontem, intitulado «Opções Difíceis», publicado no Jornal de Notícias. O texto é clarinho, clarinho, para militar perceber. As opções são «difíceis», mas só se põem à Ucrânia: «ou ceder para preservar a sua soberania e integridade territorial (...); ou continuar os combates acreditando que vai vencer a guerra, e capitular em condições muito desfavoráveis.» Em contraste, para a Rússia e ainda na opinião do general Carlos Branco: «Para o Kremlin, esta guerra é existencial, e, como tal, não pode ser perdida. As consequências geoestratégicas seriam insustentáveis.»

Ora o general não está a fazer uma avaliação estratégica - técnica - da situação que se vive naquele extremo da Europa, está meramente a fazer considerações ideológicas sobre o desfecho do conflito. Que o Kremlin não goste de vir a perder o conflito, concordo. Que a vitória da Rússia seja certa, é apenas uma aposta pessoal do general Carlos Branco. Incorporado apenas em Novembro de 1976, o general Carlos Branco já é demasiado novo para ainda ter participado como cadete da Academia Militar nas cerimónias que todos os 10 de Junho se realizavam na Praça do Comércio. Também aí se ouviam profissões de fé, de como Portugal era uno do Minho a Timor, de como não se podia perder a guerra no Ultramar, de como aquilo que restava aos terroristas eram abrigarem-se ao abrigo benevolente da soberania portuguesa. Sabemos como tanta certeza ideológica acabou depois... Uma guerra assimétrica como a que está a decorrer na Ucrânia é, pela sua própria natureza e lógica, de desfecho imprevisível. E as simpatias do general Branco não lhe deviam toldar as cautelas como devia avaliar a situação.

AH, GRANDE «CORAÇÃO DE LEÃO»! (ARREIA-LHE COM MAIS FORÇA QUE É PARA MOSTRARES MAIS CORAÇÃO...)

Lisboa, 26 de Março de 1997. O país futebolístico é surpreendido pela notícia de que Ricardo Sá Pinto se passou dos carretos e foi ao estádio nacional, onde a selecção nacional se encontrava, para arrear um enxerto de porrada ao seleccionador de então, Artur Jorge, supostamente por não ter sido convocado e também por ter aparecido criticado nas páginas de um jornal desportivo. Não há imagens do evento, as de cima com o adjunto Rui Águas são de um match de boxe complementar e o jogador acabou condenado num ano de suspensão. É Carnaval (futebol) e ninguém leva a mal! Mas lembro-me que o peso da sanção me deixou intrigado sobre o que seria preciso fazer para se sofrer a pena máxima de irradiação da actividade. Cinco anos depois, no Mundial de 2002, descobri que arriar porrada no árbitro do jogo, em pleno Mundial e à frente de todos, ainda não era suficiente... O futebol é um mundo muito tolerante. Vinte anos depois, Ricardo Sá Pinto havia-se transformado numa referência do Sporting (abaixo) - Ricardo Coração de Leão. E depois explica-se que o problema da violência no futebol é das claques...

25 março 2022

LEVANTAMENTOS DE RANCHO EM BANDA DESENHADA

Seja em desenho realista (nas duas primeiras pranchas) ou então mais figurativo, um levantamento de rancho é sempre um assunto muito sério. Repare-se como, paradoxalmente, a exposição da violência é muito mais gráfica no segundo caso. 

O «JOÃO RENDEIRO» INGLÊS DE HÁ CEM ANOS

25 de Março de 1922. A notícia que chegava de Londres dava conta do desaparecimento de um financeiro inglês chamado Gerald Lee Bevan, que fora o presidente do conselho de administração de uma seguradora londrina denominada City Equitable Fire Insurance & Co. O jornal descrevia-a, à seguradora, como «em liquidação», o que é a designação de salão para bancarrota. O desaparecido, por sinal, era oriundo das melhores famílias. Com 52 anos, e tendo nascido numa família de banqueiros (o pai fora o presidente do conselho de administração do Barclays Bank por vinte anos - 1896-1916), frequentara Eton e Cambridge, antes de trabalhar por cerca de vinte anos como corrector na Bolsa londrina. Depois, em 1916, assumira a posição à frente da seguradora que acabara de falir. Agora desaparecera e, como se lê na notícia de há cem anos, punha-se a sua cabeça a prémio (25.000 francos), como um vulgar outlaw do faroeste americano. Como o nosso João Rendeiro, ele vai reaparecer quatro meses depois algures no estrangeiro. Depois de ter inicialmente fugido, modernaço, de avião, vêmo-lo ao centro da fotografia acima, a regressar, muito mais canónico, de comboio, fotografado sob escolta na estação de Waterloo. Deixara um buraco rondando os € 85 milhões (aos valores actuais) que afundou, não apenas a seguradora, como também a correctora que a financiara. Gerald Lee Bevan foi condenado por 15 acusações de fraude e recebeu uma pena de sete anos de prisão (Dezembro de 1922). Nisto é que os tempos estarão muito mudados, ou então os nossos escroques são diferentes dos ingleses: agora até esperam pela leitura da sentença, para fugirem depois. Ou então ficam muito doentes.

24 março 2022

O LERO-LERO DOS OBITUÁRIOS

Comece-se pelo mais importante: pela evocação e homenagem à recém falecida Madeleine Albright, uma daquelas figuras grandes da cena internacional pela qual se nutria genuína simpatia. Mas fiquemo-nos pela referência sóbria, contrastante, já que prosperam os desenvolvimentos pela comunicação social de todo o Mundo. Quem tenha interesse que leia os obituários. Mas nem a todos. Porque é aí que a porca torce o rabo. Tal será a vontade de dizer bem da defunta, que se cai em excessos. Tomemos este mesmo exemplo de Madeleine Albright, a que se atribui as suas opiniões sobre fascismos, comunismos e totalitarismos em geral, à sua condição de europeia de origem e refugiada política na sequência da ocupação da Europa pela Alemanha nazi. É uma explicação que até parece fazer sentido, mas, se fizesse sempre sentido, então aquelas convicções teriam sido também as mesmas convicções do seu antecessor Henry Kissinger. Recorde-se que Kissinger (56º) foi um antecessor de Albright (64ª) na secretaria de Estado norte-americana e que, apesar dos 14 anos que Kissinger leva de avanço à sua sucessora, tanto um como outra são europeus de origem (ela checa, ele alemão), judeus de origem e refugiados políticos nos Estados Unidos em consequência da ascensão do III Reich (ele desde 1938, ela desde 1948). Só se tornaram cidadãos americanos aos 20 anos. E no entanto, o registo da relação de Kissinger com regimes totalitários, e do valor que ele atribuiu no exercício das suas funções aos valores da democracia e da liberdade, é, no mínimo, bastante pragmático (para empregar uma expressão eufemística). Recorde-se o caso do golpe no Chile (1973), o famoso cinismo de que deu mostras quando do Verão Quente em Portugal (1975) ou a autorização concedida à Indonésia para invadir Timor-Leste no final desse mesmo ano (paradoxalmente, a reversão desta última foi, mais de 20 anos depois, uma das causas de Madeleine Albright). Em suma, as pessoas foram como foram. Merecem os elogios que mereceram. Mas, para dizer ainda melhor delas no obituário, não se esmerem em explicações que depois não colam. Kissinger vai completar brevemente 99 anos e, um dia destes, vão ter que escrever também o obituário dele... Já agora, «o último livro que li dela» não era assim nada de especial.

AS NOTÍCIAS SOBRE OS ACONTECIMENTOS DO DIA DO ESTUDANTE

24 de Março de 1962 foi um Sábado. E também foi o primeiro dia das contestações universitárias que nos dispensamos de contar aqui em detalhe porque elas fazem parte de uma rotina evocativa que nunca falta nesta data. O que aqui quero mostrar é como é que, à época, um episódio de contestação do género (não) era noticiado, apesar da existência de inúmeras fotografias e mesmo de imagens da RTP (acima) para suportar a narrativa sobre o que acontecera. Nada se escrevia, nenhuma imagem aparecia. E o que se podia saber mediaticamente era apenas aquilo que se podia publicar. No dia seguinte, a nota oficiosa do Ministério da Educação (abaixo à esquerda) explicava a versão governamental sobre o que acontecera. Mas isso era o que era obrigatório. Naquela mesma edição, mas algumas páginas adiante e num mesmo destaque, publicava-se a notícia que «cerca de dois mil estudantes universitários (haviam recebido) a comunhão pascal» (abaixo à direita). Esta outra notícia é que era difícil de aceitar na sua inocência jornalística, tanto mais que a Páscoa, naquele ano de 1962, se iria celebrar no Domingo, 22 de Abril, dali por quase um mês... Isto era o regime do Estado Novo no seu pior.

23 março 2022

CONSTANTES DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA (R)

Por causa da invasão da Ucrânia e a sugestão de um amigo, republico o texto e as imagens abaixo (especialmente o segundo mapa), originalmente publicadas em Setembro de 2014, na sequência da invasão russa da Crimeia. O mapa de uma Ucrânia dividida constituía um exercício semi-sério de um traçado de compromisso que satisfizesse os interesses das partes afectadas: uma Rússia que retivesse para si os territórios do Leste da Ucrânia - teoricamente mais próximos de si - e toda a costa do Mar Negro incluindo a ligação aos separatistas pró-russos da Moldova; os Ocidentais ainda recolhiam as vantagens da subsistência de uma Ucrânia, ainda que amputada e interior. Sete anos e meio depois as premissas do mapa, tais quais as apresentei, parecem-me completamente ultrapassadas: a forma como as tropas russas se estão a comportar no Leste da Ucrânia alienaram as simpatias que a sua causa recolheria naquelas paragens; a hipotética Novorrússia só poderá subsistir como um regime policial concentracionário semelhante ao da República dita Democrática Alemã, encabeçada por um hipotético Lukashenko II.
«Como aconteceu com as divergências entre Aliados quanto ao destino a dar à Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial (de 1945 e 1949), uma lição da História a extrair dali é que quando a Rússia se apercebe que não consegue neutralizar o país que disputa e em tendo o poder para o fazer, não se ensaia nada em dividi-lo, por muito absurdas que sejam as fronteiras que daí resultem: será desnecessário recordar o caso de Berlim. Claro que as fronteiras da nova Ucrânia sob tutela russa podem não corresponder às que foram desenhadas especulativamente no mapa abaixo, onde se aproveita a ocasião para resolver também o problema dos secessionistas pró-russos da Transnístria. Mas parece consensual reconhecer ao menos que, quanto à autodeterminação dos povos (algo que só se evoca quando dá jeito à própria causa), os russos coleccionarão actualmente muitas mais simpatias entre os ucranianos de Leste da Novorrússia do que as simpatias comunistas que recolheram entre os alemães de Leste naqueles outros tempos da criação da Alemanha dita Democrática

OS ESPIÕES COMUNISTAS DOS PAÍSES DA EUROPA DE LESTE

O acontecimento explica-se pela leitura da notícia. O ministério dos Negócios Estrangeiros português instara as representações diplomáticas da União Soviética, Polónia e Alemanha Oriental a reduzir os seus efectivos acreditados na capital portuguesa, considerando a desproporção de funcionários existentes nas respectivas capitais: os soviéticos possuíam em Lisboa o sêxtuplo dos funcionários diplomáticos portugueses a trabalhar em Moscovo; os polacos e os alemães de Leste, tinham mais do dobro. Imperava uma cortesia hipócrita, de quando em vez desmascarada, já que o nível das relações económicas, comerciais, culturais e outras entre Portugal e qualquer daqueles países não justificava os batalhões de efectivos estacionados ao redor das suas embaixadas nas capitais da Europa ocidental. No PCP é que não se apreciava particularmente estas operações.

22 março 2022

A INCOMPETÊNCIA DA INFORMAÇÃO COMO INDUTOR DA INFANTILIZAÇÃO DA OPINIÃO

Um problema colateral à questão da mediocridade da informação que é produzida - de que outro dia trouxe para aqui o exemplo do «porta-aviões que sobrevoou os arredores de Taiwan» - é que o padrão que se estabelece arrasta tudo atrás de si. Este senhor que assina a crónica abaixo considera-se decerto autor de pensamentos muito inteligentes quando elucida os seus leitores que uma guerra «não se ganha nos ecrãs». É uma evidência tão óbvia, que se podia acrescentar que no decurso da esmagadora maioria das guerras que se travaram ao longo da nossa História, nem sequer havia ecrãs. Portanto, os ecrãs são obviamente dispensáveis para o desfecho das guerras. Não sei se o autor do truismo abaixo, do alto da sua pedagogia, conceberá que aquilo que escreveu é o desmentir de uma infantilidade, assim ao jeito de explicar aos seus leitores no Correio da Manhã que «o pai natal não existe». Nem todos acompanham, só alguns leitores - aqueles que, por exemplo, têm a impressão que os porta-aviões têm asas.

O ZELO ARMAMENTISTA DO MINISTRO DA DEFESA NACIONAL

22 de Março de 1952. Embora dispersas por duas páginas distintas do mesmo jornal, o teor destas duas notícias não deixa quaisquer dúvidas sobre o entusiasmo posto pelo «ministro da Defesa Nacional, sr. tenente-coronel Santos Costa» na recepção dos novos equipamentos para o Exército e Força Aérea, material que estava a ser recebido através dos programas e em consequência da adesão de Portugal à NATO (1949). Porém, todo este entusiasmo de Santos Costa viria a ser mitigado pela insuficiência (em número e preparação) de militares qualificados para operar com tanto material e tão sofisticado.

21 março 2022

AS FANFARRAS QUE DISFARÇAVAM A DERROTA

21 de Março de 1942. A operação mediática que mostrava «a chegada triunfal» do general MacArthur à Austrália, vindo das Filipinas, era um enorme embuste. A verdade é que o triunfante MacArthur tivera que abandonar as Filipinas porque a situação militar naquele arquipélago se tornara militarmente insustentável perante o avanço dos japoneses. Aquilo que restaria a MacArthur, dentro de semanas e se lá continuasse, era render-se e ser feito prisioneiro. Foi o que aconteceu aos 11.000 (incluindo 17 generais) que haviam ficado: tiveram que se render mês e meio depois, a 8 de Maio de 1942. Como já acontecera no mês anterior com o britânico Archibald Wavell que, por causa da sua elevada patente, fora evacuado de Singapura alguns dias antes da sua conquista pelos japoneses, também em Washington se decidira ser melhor tirar MacArthur das Filipinas antes que fosse demasiado tarde. Só que, ao contrário do discreto Wavell, MacArthur acompanhou a sua evacuação de uma grande fanfarra, despropositada para o verdadeiro significado militar da sua saída das Filipinas. Saída a que a máquina da propaganda aliada (veja-se acima e abaixo) deu esta ampla ressonância - quando em Março de 1942, por muitas encenações que protagonizasse, por muitos discursos que fizesse, MacArthur era apenas um general derrotado.

20 março 2022

UMA VERDADE MAIS DO QUE INCONVENIENTE

20 de Março de 1982. A insurreição do 23 Fevereiro em Espanha contava mais de um ano e o julgamento dos implicados começara no mês anterior. O problema de que o correspondente em Madrid do Diário de Lisboa dava conta, era que os sucessivos depoimentos dos réus se estavam a tornar progressivamente cada vez mais incomodativos, consideradas a concordância deles - réus e depoimentos - que o monarca João Carlos I tivera um conhecimento prévio da conjura, só se tendo demarcado dela quanto se constatou o teor antagónico das reacções que provocara. Entre os intervenientes directos já se saberia quanto a versão dos réus era verdadeira, e daí a necessidade de toda esta cenaça de solidariedade com retoques de ultraje para iludir a substância do tema: o rei estivera envolvido na conspiração como as investigações posteriores vieram a confirmar.

19 março 2022

A INCOMPETÊNCIA TRANSVERSAL DA CNN PORTUGAL

Para os jornalistas da CNN parece que ele há porta aviões chineses que têm a capacidade de voar, como se percebe pela explicação em rodapé da imagem mais abaixo Já houve quem aventasse que quem escreve as legendas para os rodapés da CNN só terá percebido a palavra avião da expressão porta-aviões. Daí ele ter conseguido voar como «o glorioso Tagada Shibum» da marinha imperial japonesa. Mas isso serão as descobertas que fazem os espectadores mais leigos.
Os espectadores mais entendidos conseguem entender que, para ilustrar a notícia, os jornalistas da CNN pespegaram a primeira fotografia de um porta-aviões que lhes apareceu. E com tanta azar ignorante que escolheram uma foto de um porta-aviões britânico da classe Queen Elizabeth, que são facilmente reconhecíveis por ser os únicos porta aviões no mundo que têm duas ilhas (primeira foto abaixo). O porta-aviões que rondou, mas não chegou a sobrevoar, Taiwan, é o que aparece na última foto, classe Shandong.

A INAUGURAÇÃO DA PONTE DA BAÍA DE SIDNEY

19 de Março de 1932 foi o dia da inauguração da ponte da baía de Sidney (Austrália). A ponte ainda hoje constitui, conjuntamente com o edifício da Ópera, um dos dois elementos identificativos da maior cidade australiana. A notícia publicada nesse dia pelo Diário de Lisboa dava-a como «a maior ponte do mundo», o que não era verdade: mesmo restringido àquela categoria específica de ponte, havia uma ponte nos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Nova Jersey, que fora inaugurada quatro meses antes e que tinha o vão ligeiramente (+ 7 metros) mais extenso. Note-se que entre as entidades que procederam à inauguração não havia ninguém do governo federal da Austrália.
Mas o que teria interessado verdadeiramente um jornal tablóide da actualidade teria sido este último «incidente curioso», «o oficial da polícia a cavalo» que cortara completamente a destempo a fita solene da inauguração. O «oficial» disfarçara-se assim para beneficiar das aparências e da benevolência da polícia para com fardas e assim conseguir o seu intuito de sabotar a cerimónia. Descobriu-se que não passava de um carpinteiro irlandês de mobiliário de luxo com 43 anos, veterano da Grande Guerra, que emigrara para a Austrália depois dela e que professava simpatias fascistas. Acabou multado em 5 libras, com 4 libras adicionais para pagamento das custas judiciais.

18 março 2022

MARIANA MORTÁGUA E A ALDRABICE DE AZKABAN

Uma geração que cresceu a ler os livros de Harry Potter também mostra que aprecia acompanhar os casos da política ao ritmo de uma saga em vários volumes.

ASSINATURA DOS ACORDOS DE ÉVIAN

Évian-les-Bains é uma estação termal no Leste de França, na Saboia, junto à fronteira com a Suíça. Foi aí que há sessenta anos foi publicamente anunciado que haviam terminado com sucesso as negociações que vinham ali a decorrer entre o governo francês e a FLN, com o intuito de pôr fim à guerra na Argélia.

O HOMEM QUE ESTAVA LÁ NA ALTURA CERTA (PARA ELE...)

2ª Feira, 18 de Março de 2002. O país acorda com os resultados das eleições legislativas que se haviam acabado de disputar, com uma maioria de direita e com José Manuel Durão Barroso em vias de ser convidado para o cargo de primeiro-ministro. Para mim, foi o momento em que se comprovou que a meritocracia, também na política, não existia. Seis anos antes, Jorge Sampaio tornara-se presidente da República porque era-o-outro-que-não-o-Cavaco; agora era Durão Barroso que se tornava primeiro-ministro porque era o presidente do PSD que calhava estar no cargo naquela altura. Para ocupar qualquer dos cargos é muito mais preciso ter-se sorte do que mérito.

17 março 2022

SOBRE A MEDIOCRIDADE PREGUIÇOSA DOS JORNALISTAS PORTUGUESES

A notícia abaixo, associando o Diário de Notícias e a Lusa, é apenas mais um episódio evidenciando a mediocridade preguiçosa da classe dos jornalistas. E, acrescente-se, nem mereceria o destaque, não se tivesse dado o episódio de censura de que fui alvo, como adiante explicarei. A notícia em si, como se pode ler abaixo, fala da expulsão da Rússia do Conselho da Europa e do comentário desagradado da Amnistia Internacional a essa decisão. Podemos achar imensas coisas a respeito da decisão e do tópico, mas dou um doce a quem souber de antemão (sem consulta...) qual o âmbito da actividade do Conselho da Europa. Mas tudo isso é acessório para o que quero realçar. No final da notícia, quiçá para enfatizar quão raras são as sanções do Conselho da Europa sobre os países membros, conta-se a história da suspensão da Grécia da organização, por sinal um assunto já aqui evocado por mim no Herdeiro de Aécio. São legítimas as desconfianças que tal detalhe não resultasse do árduo trabalho de pesquisa dos jornalistas portugueses, já que a história da suspensão da Grécia consta de outros resumos noticiosos apresentados anteriormente por outras agências concorrentes da Lusa (veja-se o caso da Reuters). É mais um caso em que se suspeita que o que os espertalhões dos jornalistas da Lusa/Diário de Notícias se limitam a fazer é a traduzir, retocar e retocar um outro texto. Sintoma disso é que, apesar de se falar da Grécia, em contraste nem sequer aparece qualquer referência à história de Portugal naquela organização (Conselho da Europa). História essa que me parece ter algum interesse: Portugal só se tornou membro do Conselho da Europa em Setembro de 1976. Depois do 25 de Abril... mas também depois de 25 de Novembro. Pois bem: foi um comentário com o teor do que acabei de expor nestas últimas linhas que foi rapidamente apagado - menos de meia hora. A preguiça que se manifestou na falta de investigação do material noticioso, é aqui substituída por um contrastante zelo em apagar rapidamente as críticas, mesmo sendo elas substantivas. Ou, se calhar, precisamente por elas serem substantivas. A ironia final de tudo isto é que o que está por detrás do tema central da notícia é uma questão de Liberdade - aquela que o próprio órgão de informação que a publica se encarrega de coarctar.

O REFERENDO AOS SUL-AFRICANOS BRANCOS (1992)

A 17 de Março de 1992 (completam-se hoje precisamente 30 anos) teve lugar um referendo na África do Sul. Nele, o presidente Frederick de Klerk (na fotografia acima) pedia explicitamente o apoio do eleitorado para prosseguir o processo de reformas que ele iniciara em 1990, com o objectivo de produzir uma nova Constituição que, através de negociações, acomodasse todas as raças da África do Sul. Paradoxalmente (ou talvez não...) a pergunta só era posta aos 3,3 milhões de eleitores de raça branca. Embora outros referendos separados estivessem previstos para a minoria coloured (mestiça, com 1.440.000 eleitores) e asiática (indiana, com 660.000 eleitores), era evidente que a disputa política nevrálgica seria esta de 17 de Março reservada aos brancos, onde se faziam sentir as tensões em prol da manutenção do apartheid.

Como se percebe desde logo pela fotografia inicial, de Klerk venceu, e venceu expressivamente: dos 3,3 milhões de eleitores, 2,8 (85%) pronunciaram-se e desses, mais de ⅔ (69%), conferiram-lhe um mandato para prosseguir. Era significativa também a distribuição desse apoio, como se pode apreciar no mapa abaixo. O Sim vencera em todas as circunscrições eleitorais excepto numa do Transval e as votações mais expressivas a seu favor (assinaladas a verde mais escuro no mapa abaixo) ocorriam no eleitorado urbano das maiores cidades sul-africanas: Cidade do Cabo, Durban e mesmo Joanesburgo. O desejo da preservação do apartheid, mesmo pela minoria que dele beneficiava revelou-se, com este referendo, um mito, embora as primeiras eleições livres para todas as raças na África do Sul ainda estivessem à distância de mais de dois anos: 27 de Abril de 1994.
Reconheça-se que a História gosta de eleger heróis individuais e que esta, a da transição da África do Sul para a democracia plena, tem o seu, justíssimo: Nelson Mandela. No entanto, reconheça-se também que, para essa História, a realização e o resultado deste referendo se tornou demasiado discreto para aquele que foi o seu verdadeiro significado. Quer a coragem política de Frederik de Klerk em convocá-lo, quer os resultados. Sem o referendo e sem o presidente, é possível, é mesmo provável, que a transição política na África do Sul se tivesse processado à mesma, na mesma época ou poucos anos depois - mas não da mesma maneira e provavelmente de uma forma bem menos pacífica. Nem tudo é atribuível à personalidade impar de Nelson Mandela, convém reconhecer de vez em quanto o mérito daqueles que a História dá por vencidos.

16 março 2022

UMA BOA HISTÓRIA DE JORNAL (...MAS A QUE FALTAVA A MELHOR PARTE)

16 de Março de 1942. No meio de todas as vicissitudes da Segunda Guerra Mundial, o abate por parte dos japoneses de um avião civil das Índias Holandesas sobre a Austrália teria sido um pormenor, não tivesse acontecido que o piloto - um antigo ás da aviação russa da Primeira Guerra Mundial - tivesse conseguido que o aparelho, um DC-3 (abaixo), fizesse uma aterragem de emergência numa praia. Mesmo assim morreram 4 das pessoas que iam a bordo e os restantes 8 sobreviventes só vieram a ser resgatados seis dias depois. A notícia só veio a ser liberada uma semana depois desse resgate, mas falta-lhe ainda a faceta jornalística que seria a mais interessante de todas: no meio da confusão havia-se perdido uma pequena encomenda contendo mais de 2.000 diamantes, orçados num valor superior a 300 mil libras, que estavam a ser transferidos mesmo nas vésperas da queda de Java para um banco australiano. Só se encontrou uma pequena fracção disso. Isso é que era uma história! Só que há oitenta anos não se podia contá-la.

15 março 2022

COMUNISTAS SEM «NICOTINA»

Confesso que tenho um desprezo idêntico pelos comunistas ainda agarrados aos dogmas religiosos quanto a estes outros exemplares, distintos dos ortodoxos apenas nos pormenores, caso acima de Domingos Lopes, que são promovidos como versão benigna e sem as máculas da História do Comunismo, como se fossem uma espécie de tabaco sem nicotina, café sem cafeína ou vinho sem álcool. Tretas. Este, por exemplo, abandonou o PCP apenas 20 anos depois de se perceber à saciedade a grande mentira que havia sido a propaganda engendrada à volta de como se vivia sob regimes comunistas. Acabou o comunismo e foram os ucranianos que imigraram para cá, não foram os alentejanos a emigrar para a Ucrânia. Mais do que essa negação do que entra pelos olhos dentro, nem sequer percebo as razões para esta promoção indulgente, que a estes outros, aqueles que fumam, mas sem inalar, nem sequer os vemos a submeterem-se a votos, anquilosando-se no pensamento e colapsando na representação popular. Estes deixam tanto rastro quanto os outros: lembro-me deste mesmo Domingos Lopes a implicar em Junho de 2015 com o general Loureiro dos Santos: «Ó sr. general! Outra Guerra?» (à direita) Ó sr. Domingos Lopes! E esta Guerra agora?... Qual o expediente que adopta desta vez para fingir que fala do assunto?

A CRÍTICA DE DISCOS E OS DISCOS DO CRÍTICO

15 de Março de 1972. No mesmo dia em que se estreava O Padrinho na América (ver poste anterior), aparecia a crítica musical supra no Diário de Lisboa, da autoria de José Jorge Letria. O criticado era o cantor irlandês Gilbert O'Sullivan e a crítica era demasiado narrativa e, quando avaliadora, podia-se ler um parágrafo assim: «Por isso se falou em primeiro lugar de O'Sullivan, um indivíduo de aspecto bizarro, que considera a intelectualização da música uma coisa estúpida e de si próprio, para o consumo uma imagem falsa para estimular a compra». Confesso que a frase será, porventura, de uma intelectualidade demasiado avançada para que se consiga compreender totalmente, mas é inescapável o sentido depreciativo que o crítico lhe pretendeu conferir. Crítico esse que, recorde-se, era «um dos nomes mais destacados da canção da resistência» (sic, como se pode ler na wikipedia) Para o que interessaria, o disco e as canções, remetidos para o fim do texto, ficava-se a saber quase a terminar que uma das canções se intitulava «Alone Again, (Naturally)». Hoje sabe-se que essa canção veio a alcançar o nº1 das vendas em França, nos Estados Unidos, no Canadá, nº 2 na Irlanda e nº 3 no Reino Unido, mas o crítico musical (e cantor da resistência!) nem cheirou o seu potencial sucesso, que ele não parecia andar nestas coisas da crítica musical para avaliar a qualidade e o eventual sucesso comercial das canções.
Cinquenta anos depois, creio que vale a pena cometer a crueldade de fazer a prova do tempo e dar a oportunidade de apreciar a inspiração musical do criticado comparada com a do crítico, e para o efeito escolhi uma canção do mesmo José Jorge Letria de 1973, «Quem te avisa teu amigo é». A crueldade do gesto - o gesto de expor a mediocridade musical de José Jorge Letria, entenda-se - também se reflectirá no leitor deste poste, caso ele se disponha - como lhe sugiro - a ouvir atentamente esta última canção, e tenho que pedir desculpas aos leitores pelo facto (em nome de José Jorge Letria).